sábado, 9 de agosto de 2014

Efeito devolutivo

Hoje ministrei uma aula no curso FMB sobre recursos, e um assunto de alta relevância nesse tema é o efeito devolutivo.
Essa aula me inspirou a escrever hoje mesmo sobre esse tema. Então lá vai.

Os recursos no processo do trabalho, em regra, são recebidos no efeito meramente devolutivo, o que resta descrito de forma expressa no artigo 899 da CLT:

"Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora."


Ocorre que esse efeito tem um desmembramento muito interessante, uma vez que pode ser chamado de efeito devolutivo amplo e efeito devolutivo em profundidade, especialmente nos recursos de natureza ordinária.
Devolver, na perspectiva recursal, significa possibilitar uma nova análise dos temas já debatidos e decididos pela mesma instância ou por uma instância superior (essa última distinção decorre da própria distinção de recurso e duplo grau de jurisdição, os quais podem ou não estar inseridos no mesmo instituto - pode haver recurso para o mesmo grau de jurisdição ou para outro grau de jurisdição).
A possibilidade de efeito devolutivo amplo é direcionada para as partes recorrentes. Como recurso é ato voluntário de vontade, à parte compete decidir o que será levado para análise pelo juízo "ad quem", por isso se trata de uma possibilidade, não há obrigação de recorrer e muito menos daquilo que se pretende recorrer.
Contudo, em achando razoável a interposição de recurso, a parte tem o direito de pretender rever tudo aquilo que lhe aprouver.
Nessa lógica todos os pedidos, das duas partes, podem ser objeto de recurso, incluindo, naturalmente, os pedidos da defesa. Embora alguns possa achar estranho, a defesa também elabora pedidos, muitos deles de ordem processual, como litigância de má-fé, multas por atos atentórios, compensação, dentre outros, mas também pode haver pedido de ordem material, como os exemplos de pedido contraposto, multa do artigo 940 do CCB, etc.
Além disso, dentro dos pedidos devolvidos pelas partes, também será veiculada a matéria que interessar ao recorrente, tais como: fatos, provas e direito.
A partir disso, pedidos e matérias estarão à disposição das partes para que insiram no seus recursos aquilo que entenderem razoável.
A partir do momento em que os pedidos foram devolvidos ao juízo "ad quem" a este compete analisar os recursos e nesse momento pode se aprofundar em qualquer dos fundamentos dos pedidos, da inicial ou da defesa, ainda que estes não tenham sido objeto da sentença e sequer veiculado em contra-razões.
Pode parece estranho que o tribunal ingresse em discussão de fundamento que não foi debatido na sentença e sequer descrito em resposta do recurso, mas isso decorre do limite objetivo da lide. Como o pedido em si já foi devolvido ao tribunal, todas as questões que o circundam são devolvidos conjuntamente.
Nesse sentido a sumula 393 do TST:

"393 - Recurso ordinário. Efeito devolutivo em profundidade. Art. 515, § 1º, do CPC.
O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC, transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado na sentença, salvo a hipótese contida no § 3º do art. 515 do CPC."

Não há que se confundir fundamento do pedido, com o próprio pedido. Em caso de pedido não analisado,a situação muda de figura, pois nesse caso a situação levaria a um possível supressão de instância. Em caso de pedido não julgado o correto é aviar embargos de declaração para sanar a omissão e se persistir essa o correto é pretender nulidade da decisão por ausência de prestação jurisdicional.

O próprio Código de Processo Civil em seu artigo 515, § 1º já fazia referência a essa possibilidade:

"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro."

Essa hipótese também decorre da análise do artigo 131 do CPC, o qual não exige que o juiz da causa esgote todos os fundamentos da inicial e defesa, pois o princípio do livre convencimento motivado informa que o juiz deve se convencer e fundamentar sua decisão sem que seja imposto a esse a necessidade de esgotar todos os fundamentos da inicial e defesa. Por isso pode ocorrer de sobrar fundamentos que não foram debatidos na sentença.
A análise pode ser simplificada diante da ideia de que estamos em instância ordinária, onde a revisão do julgado é uma vertente bastante ampla. Nos recursos de natureza especial, como o recurso de revista, por exemplo, a devolução é bem mais restrita, é preciso pre-questionar o fundamento e a matéria se restringe as questões de direito.
Outros efeitos ainda se vinculam aos recursos, como o suspensivo, o substitutivo, o translativo, o expansivo objetivo e subjetivo, mas por enquanto a intenção era somente debater o devolutivo.
Espero que gostem e aproveitem.
Abraços e bons estudos.
Do autor,
Mauricio.




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