sábado, 11 de abril de 2015

Direitos Fundamentais - parte II

1.3 Eficácia Vertical dos Direitos Fundamentais

Como a eficácia é o gênero da efetividade podemos dizer que esta decorre daquela. Neste sentido, é preciso que os direitos fundamentais tenham a máxima aplicabilidade. Por isso, dar eficácia significa preencher seus critérios em busca da efetividade. Pode-se dizer, tanto da eficácia vertical, como da vinculação vertical, ambas levando a mesma conclusão, que a intenção será demonstrar a aplicação dos direitos fundamentais nos casos concretos.
Após a análise da origem dos direitos fundamentais e a linha de aplicação adotada no direito interno, em comparação com a evolução no mundo, o direito comparado, passamos o estudo da eficácia desses direitos como meio de máxima efetividade.
A eficácia vertical dos direitos fundamentais em uma clara atuação estatal é objeto de estudo na busca da implementação desses direitos pelos entes públicos. Nessa linha de raciocínio, a vinculação positiva e negativa da eficácia vertical. Importante ressaltar a existência de uma eficácia horizontal desses direitos, com estudos de vinculação positiva e negativa, que será objeto de análise no item subsequente.
O que se busca estabelecer é a função do Estado, mas também dos particulares entre si na implementação dos direitos fundamentais, primeira e, primordialmente, na vinculação negativa, de não afronta aos direitos e, em seguida, na vinculação positiva, de atitudes construtivas desses direitos.
Assim, a análise das duas vertentes: vertical e horizontal na implementação de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais surgem numa condição de Estado Liberal, com uma feição de eficácia vertical vinculante do Poder Público. Depois é que surge a vinculação horizontal, entre os particulares
As constituições de Portugal e Espanha falam expressamente sobre a vinculação do Estado e dos particulares aos direitos fundamentais.
Vejamos, a título de exemplo, a passagem expressa no artigo 18 da Constituição da República Portuguesa:

“Artigo 18.º (Força jurídica): 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

Em certa medida, a vinculação negativa aos direitos fundamentais por parte do Estado está ligada à ideia de que os direitos fundamentais, como direitos do homem, são direitos de natureza humana, na visão jusnaturalista, conforme já descrito especialmente ligada ao estudo de Jacques Maritain, na obra em que questiona o papel do Estado perante os homens e, talvez, em uma de suas mais importantes obras quanto ao “Humanismo Integral” esse caráter humanista fique ainda mais claro, especialmente quanto a influência antropocêntrica no papel do Poder do Estado.
Nos dizeres do artigo 5ª parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata, conforme vemos:

“Art. 5.º...
......
§ 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata,”
Parte substancial da doutrina entende que o parágrafo do citado artigo traz um mandamento de otimização, razão pela qual os direitos fundamentais devem ser concretizados com a máxima efetividade jurídica.
Nessa perspectiva não há divergência na doutrina quanto à eficácia vertical dos direitos fundamentais, mesmo que se possa dizer que haja uma discussão sobre o alcance da palavra Estado, quando da vinculação aos direitos fundamentais.
Alguns estudiosos entendem como Estado todos os poderes públicos, como forma de evitar o parcelamento da figura deste e que isso possa, em certa medida, desaguar em não aplicar a teoria da máxima efetividade dos direitos fundamentais, criando fórmulas menos convencionais ou formalizadas de exercício dos poderes públicos no contemporâneo Estado democrático. Consequentemente, pode haver uma fuga das obrigações com relação ao respeito de direitos fundamentais e, ainda, limitações indevidas às liberdades do cidadão.
Neste sentido Júlio Ricardo de Paula Amaral, ao citar o espanhol Francisco Bastida Freijado declarando a vinculação aos direitos fundamentais.
É possível concluir que a vinculação negativa aos direitos de primeira geração é no sentido proibitivo quanto a possível afronta pelo legislador, direcionando suas atitudes para que respeite os direitos fundamentais.
Esse dado fica ainda mais claro quando percebemos que as cláusulas constitucionais ligadas aos direitos fundamentais são cláusulas pétreas:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
...
4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.”

A conclusão que se extrai dessa disposição é de que o legislador não pode atuar de forma a reduzir os direitos fundamentais, vertente negativa expressa. Há ainda a vinculação positiva do Estado, no sentido de sua atuação positiva na implementação de direitos fundamentais. O Estado, aqui entendido em todo seu espectro, deve intervir diretamente promovendo os direitos fundamentais. Não basta a vinculação negativa, é preciso agir, implementar, dar máxima efetividade aos direitos fundamentais.
O direito espanhol traz expresso em um de seus artigos essa vinculação positiva do Estado. Neste sentido a Constituição Espanhola de 1978:

“Artículo 9 –
1. Los ciudadanos y los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico.
2. Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la libertad y la igualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social.
3. La Constitución garantiza el principio de legalidad, la jerarquía normativa, la publicidad de las normas, la irretroactividad de las disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales, la seguridad jurídica, la responsabilidad y la interdicción de la arbitrariedad de los poderes públicos.)”

Imperioso notar que não só o legislador, mas também o Poder Executivo deve implementar direitos fundamentais numa vinculação positiva. Na mesma direção as políticas públicas de inclusão social, a exemplo dos programas assistenciais governamentais.


1.4 Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

Logo após o estudo do papel do Estado, tanto no que tange à sua vinculação negativa, quanto sua vinculação positiva, em todos os ramos dos poderes do Estado, vejamos o papel dos particulares. A análise gradativa dessa vinculação horizontal começa com o próprio Estado e evolui para os iguais.
O artigo 173, II da Constituição Federal versa em sujeição do Estado, enquanto empregador, ao regime próprio das empresas privadas pelas empresas estatais, o que seria uma hipótese de eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre Estado (exercendo atividade como se particular fosse) e seus empregados públicos.

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;”

Aqui começa a se delinear a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Inicia-se pela ideia de verticalidade, ou seja, o Estado de cima para baixo, na lógica dos direitos fundamentais, nas duas vertentes: negativa e positiva, ou seja, o respeito aos direitos fundamentais em uma vinculação de não afronta a direitos fundamentais e a dimensão da implementação positiva desses direitos, para em seguida passar para a ideia de horizontalidade.
O transporte para as relações entre particulares ainda sofre muitas restrições e certa resistência por parte da doutrina, ainda mais quando se fala em dimensão positiva. Por tudo isso, é de suma importância que se delimite a eficácia horizontal partindo dos mesmos pressupostos: sua dimensão negativa e sua dimensão positiva. O ponto incontroverso é que a eficácia horizontal é uma realidade atual e reclama o respeito entre particulares quanto aos direitos fundamentais.
O próprio Código Civil Constitucionalizado implementa um sistema de regulação de direitos fundamentais, numa regulação infraconstitucional dos direitos fundamentais descritos no rol constitucional pelo legislador constituinte, quando estabelece cláusulas gerais ou janelas abertas em matéria de boa-fé, função social, dentre outras vertentes.
A teoria da eficácia horizontal surge com o direito alemão, a partir da expressão em alemão “Drittwirkung”, que significa “eficácia perante terceiros”, expressão também usada por Gomes Canotilho. Outras denominações também são utilizadas como eficácia horizontal, eficácia diagonal, alcance horizontal, eficácia nas relações privadas e extensão horizontal. Contudo, a denominação que parece mais aceita e difundida é a de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como forma de identificar a aplicação dos direitos fundamentais entre particulares.
A adoção dessa última não prejudica as demais expressões, sendo algumas até duvidosas quanto ao mesmo alcance, como a ideia diagonal. No entanto, todas buscam o implemento dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Como já descrito no início deste estudo, a nomenclatura possui uma importância muito grande na identificação do estudo que se visa apresentar. Nessa perspectiva, o signo de linguagem faz toda a diferença, pois a decodificação do leitor passará pela construção prévia que ele fizer do assunto, a partir da denominação dada ao tema.
Essa a razão mais contundente para o uso da expressão eficácia horizontal em prejuízo das demais, sem que isso implique, necessariamente, em qualquer demérito ou exclusão das demais denominações sugeridas. Importante observar que até a denominação originária do instituto, como visto no direito alemão, cedeu espaço para um estudo interno próprio. Trata-se, portanto, da adoção da denominação que melhor transmite ao interprete o alcance daquilo que se procura analisar.
Uma nota rápida quanto a ideia de eficácia diagonal, já que como sugerido, é uma expressão que, ao contrário das demais, especializa o especial, ou seja, dentro das relações privadas, que já é uma especialização dos direitos fundamentais, tem-se a relação de trabalho, que não é uma simples relação privada. Por isso, o autor chileno Sérgio Gamonal Contreras sugere a hipótese de denominação, nas relações de trabalho, de eficácia diagonal.
Em verdade, o referido autor faz uso dessa expressão, cunhada por Pamela Prado, em dissertação de mestrado da Universidade do Chile em 2001.
Esse termo também foi utilizado, como forma de diferenciar a relação de trabalho das demais relações privadas, por um juiz chileno após análise de uma sentença.
Entende-se diagonal, pois apesar de estarmos analisando uma relação privada, não se trata de uma relação entre iguais, isto é, pessoas em condições de igualdade em razão da subordinação inerente ao trabalho.
Assim, a doutrina pretende encontrar uma expressão intermediária entre a vertical, Estado de cima para baixo em relação à sociedade, e a expressão horizontal, que pressupõe pessoas em mesmo patamar de condições. Exatamente como na geometria, nem vertical, nem horizontal, diagonal.
Passadas as explicações sobre a denominação eficácia diagonal, sendo a eficácia horizontal a utilizada daqui em diante, pode-se debruçar sobre o estudo do surgimento dessa expressão.
Provavelmente Hans Carl Nipperdey tenha sido o primeiro a utilizar a expressão eficácia horizontal nas relações privadas, como bem apontado por Virgílio Afonso da Silva. Daí a consagração da expressão no Brasil, em razão de ter sido autor acima citado um dos pioneiros no estudo desta tese e seu transporte para o Brasil, especialmente ao traduzir a obra de Robert Alexy.
Alguns julgados do Supremo Tribunal Federal já têm sinalizado pela aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, como se vê no acórdão do recurso extraordinário número 160.222-8, que deu o primeiro passo quanto ao debate da matéria em análise.
Só a título de exemplo, vejamos a passagem do acórdão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, como relator do caso, sobre a da importância do debate acerca dos direitos fundamentais e sua aplicação na eficácia horizontal.
Recurso Extraordinário 160.222-8, n chamado “caso de Millus”:

“12. Lamento que a irreversibilidade do tempo ocorrido faça impossível enfrentar a relevante questão de direitos fundamentais da pessoa humana, que o caso suscita, e que a radical contraposição de perspectivas entre a sentença e o recurso, de um lado, e o exacerbado privalismo do acórdão, de outro, tornaria fascinante.” (grifos acrescidos)

A questão discutia a revista intima em empregadas versos a possibilidade de ofensa a direitos fundamentais entre particulares. Infelizmente, a questão prescricional impediu a análise de mérito. Contudo, restou clara a intenção do relator em discutir a matéria a partir dos direitos fundamentais.
Mas na sequência, a corte se debruçou várias vezes sobre a questão dos direitos fundamentais nas relações privadas de forma incisiva, a exemplo do acórdão no recurso extraordinário número 201.819 de outubro de 2005, que trata da ausência de defesa em processo de exclusão.
Importante observar o trecho da emenda do acórdão e sua referência expressa aos direitos fundamentais nas relações privadas:

“EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.” (grifos acrescidos)

Todos na dimensão negativa, ou seja, em todas essas hipóteses o que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu foi um direito a não ver ofendidos os direitos fundamentais, evitando afrontar, por exemplo, o contraditório e ampla defesa em processo, no segundo caso apresentado.
Mas a ideia da dimensão objetiva, efeito irradiante dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, tem como marco inicial o caso Luth , na Alemanha, em 1958. A ideia era de que os direitos fundamentais irradiassem suas bases para todo o ordenamento jurídico, dimensão objetiva, assim todo direito infraconstitucional deveria ser interpretado à luz dos direitos fundamentais. Dessa forma, se concebeu a ideia de constitucionalização dos ramos do direito e, no Brasil, de direito civil constitucionalizado o qual tem irradiado suas bases para os demais ramos, inclusive o direito do trabalho, no que se costumou chamar de direitos laborais inespecíficos, pois embora não pensados para o direito do trabalho, são também aplicados a essas relações, principalmente, pela condição de cidadania.
No estudo de direito fundamental nas relações privadas há que se analisar, a partir de agora, a dimensão positiva ou negativa, direta ou indireta, mediata ou imediata, a depender da nomenclatura adotada, em relação à exigência de atitudes de mero respeito - não ofender os direitos fundamentais, ou as atitudes de implementação de direitos - atuações positivas na implementação desses mesmos direitos.

1.4.1 Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares

A análise dos direitos fundamentais é feita numa crescente de expansão desses direitos. Iniciou-se pela origem, denominação e alcance, passando pela construção central do instituto, em relação à vinculação do Estado, tanto no que tange ao respeito aos direitos fundamentais, quanto no que tange a implementação desses direitos.
Nos tópicos imediatamente anteriores passou-se a analisar a expansão desses direitos para as relações privadas. A partir de agora, a forma de vinculação do ente privado a esses direitos fundamentais, perquirindo se basta o mero respeito, vertente negativa, ou se o particular deve, de fato, implementar referidos direitos e se essa implementação é direta e imediata ou indireta e mediata.
Atualmente são duas teorias que regem o estudo sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo a da eficácia imediata e direta e da eficácia mediata ou indireta. Há uma terceira vertente que é a teoria da negação dos direitos fundamentais nas relações privadas, mas que vem perdendo força de forma vertiginosa e não se justifica nos dias atuais e, menos ainda, no presente estudo, em que se busca a implementação dos direitos fundamentais nas relações de trabalho como método de manutenção de empregos.
A base da negação estava na ideia de redução da autonomia da vontade, pois ao vincular o particular à teoria dos direitos fundamentais estaria reduzida a capacidade de autodeterminação dos entes privadas.
O caso Luth, como acima descrito, na Alemanha, foi o grande responsável pela superação da tese da negação, ao receber da Corte Constitucional Alemã uma decisão que reconhece a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Podemos dizer que a teoria negativa está praticamente superada. A própria lei já vem determinando, em certos casos, a implementação de direitos fundamentais nas relações privadas, como se percebe, por exemplo, na dicção do artigo 93 da Lei 8213 de 1991, quando trata das cotas para trabalhadores com deficiência nas empresas.

Assim está descrito:

“Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados...........................................................................................2%;
II - de 201 a 500......................................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.” (grifos acrescidos)

Não há como negar a vinculação aos direitos fundamentais de forma obrigatória, o que se extrai das expressões negritadas, quando obriga empresas, com certo número de empregados, a contratar trabalhadores com deficiência. E na sequência, em seu parágrafo segundo, impõe a manutenção dos contratos dos trabalhadores com deficiência até que outro preencha a vaga.
Trata-se claramente de direito fundamental aplicável à relação privada na vinculação positiva indireta, mas imediata, uma vez que somente com a edição da lei é que a adoção da medida se tornou obrigatória, ou seja, uma atitude indireta, imposta pelo Estado.
Há quem sustente uma vinculação negativa na hipótese, fazendo a construção a partir da matriz obrigacional de contratar pela ideia de não discriminação, caráter negativo da proteção.
A hipótese acima quer parecer, no entanto, que a vertente positiva e indireta é mais adequada, pois impõe e não veda simplesmente uma atuação do particular. Vale observar que não se trata de uma adoção espontânea, por isso o caráter indireto.
Não se pense, contudo, que essa seria a regra, uma vez que o caso acima se baseia em previsão expressa em lei para uma situação especifica, e não a obrigação de contratação de direitos fundamentais em toda e qualquer relação privada na vinculação positiva direta e imediata. Serve, sim, para demonstrar que está superada a doutrina que defende a inaplicabilidade total da teoria dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Superada a ideia da vertente negativa quanto à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, passa-se justamente para a análise da dimensão dessa vinculação do ente privado, negativa ou positiva, direta ou indireta, imediata ou mediata.
Uma linha de pensamento sustenta que os direitos fundamentais são direitos dos particulares que acabam se tornando obrigações para eles. Então, é necessária a intervenção legislativa para dar eficácia aos direitos fundamentais.
Assim a teoria da eficácia direta ou imediata estabelece o seguinte raciocínio: toda a ordem jurídica está comprometida com os direitos fundamentais, é preciso que exista uma unidade normativa dos direitos fundamentais.
O conteúdo essencial dos direitos fundamentais sempre está garantido, com base na teoria da eficácia direta ou imediata, ou seja, a ideia de imediata observância dos direitos fundamentais e seu conteúdo essencial deve ser sempre preservado.
Ingo Sarlet, em sua obra “A Eficácia dos Direitos Fundamentais” defende a interpretação e aplicação tópico-sistemática dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Assim, mesmo diante de uma norma constitucional não regulamentada, o conteúdo mínimo dos direitos fundamentais deve ser observado. Claro, caráter vinculante negativo imediato. Não afrontar direitos fundamentais é dever de todos, havendo ou não lei a esse respeito.
Seria o caso, por exemplo, dos adeptos à teoria de que não existe mais o direito potestativo de dispensa, pois a Constituição determinou a necessidade de lei que ainda não existe. Mas nem por isso, o preceito fundamental deixa de ter um conteúdo mínimo a ser considerado.
Como resultado seria impossível garantir o emprego, pela ausência de lei reguladora, embora se pudesse entender aplicável uma indenização correspondente por abuso de direito, ou seja, ao dispensar empregado, sem um motivo que justifique a dispensa, seria afronta a direito fundamental, passivo de indenização. A compensação, atualmente, se limita aos 40% sobre depósitos de FGTS, o que algumas teorias chamam de critério inibidor.
Assim, o exemplo acima citado, quanto à dispensa imotivada, traria no seu bojo o claro viés negativo imediato e direto, ou seja, não pode haver dispensa imotivada – caráter negativo, sendo vedada de plano qualquer dispensa que tenha tal caráter – vinculação imediata, o que inclui o empregador privado – vinculação direta.
Duas outras teorias sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais são a teoria dos deveres de proteção, os direitos fundamentais devem ser protegidos contra a intervenção e a teoria da convergência estatista, sempre é possível acionar o Estado, sempre é possível chamar o Estado no polo passivo no caso de violação dos direitos fundamentais.
A teoria da convergência estatista é muito criticada como teoria, dentre outros argumentos, por sugerir que cada empresa fique responsável pelos seus próprios atos, não havendo responsabilidade do Estado. Isso ocorre pela ideia da teoria liberal, que defende que os particulares não estão vinculados aos direitos fundamentais; Estado é sempre o que está vinculado aos direitos fundamentais.
Podemos citar um exemplo na dispensa com justa causa sem que seja antes assegurado o direito de informação, o contraditório e a ampla defesa, com base no princípio da presunção de inocência; são os chamados direitos inespecíficos do trabalhador (eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações de trabalho). Na Alemanha a teoria da eficácia mediata é a teoria que predomina.
Há quem sustente que seria a privatização dos direitos fundamentais. Segundo a teoria da eficácia mediata, o Judiciário não poderia dar eficácia imediata por meio da criação da norma jurídica, pois a autonomia privada deve ser respeitada, não podendo o Judiciário criar a norma no caso concreto, dando eficácia direta e imediata aos direitos fundamentais quando não regulamentados pela legislação privatista, pois haveria a inaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. A teoria dos deveres de proteção é semelhante à teoria mediata ou indireta, pois busca diminuir a interferência do Judiciário, sendo que o papel do Estado muda um pouco, passando a ser apenas um potencial agressor.
Caberia ao Estado, portanto, adotar as medidas de proteção e de prevenção para que não ocorram as violações aos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Deve haver uma intervenção do Estado nas relações entre particulares para impedir a violação dos direitos fundamentais nessas relações privadas.
Temos o Estado como protetor dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Não é a relação do Estado com particulares sendo permeada por direitos fundamentais e, sim, o Estado protegendo os direitos fundamentais nas relações entre particulares. Essa atuação do Estado, de maneira protetiva aos direitos fundamentais nas relações entre particulares, ocorreria por parte do Poder Legislativo.
Já a teoria da convergência estatista é a delegação da função pública, a responsabilidade do Estado, por não ter determinado uma penalidade para aquela situação que vincula os particulares. Estaríamos diante do oposto à proteção estatal apenas, seria a situação em que o Estado é responsabilizado por não ter proibido a lesão dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Pela teoria mediata ou indireta se entende que o particular não pode ser obrigado a fazer o papel do Estado. Por isso, talvez o melhor caminho não seja a eficácia imediata ou direta e, sim, mediata ou indireta.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Direitos Fundamentais

Pessoal,
Como vai?
Bom, vim aqui postar um estudo feito sobre direitos fundamentais. Farei e a postagem em partes, certo?
Segue a primeira parte.
Espero que gostem.
Abraços.
Mauricio.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Análise introdutória

No atual estágio do desenvolvimento do estudo do direito no Brasil e em grande parte dos países democráticos é de suma importância a passagem pela doutrina dos direitos fundamentais, seja como critério de justificação do estudo proposto, seja como meio de fundamentar uma ideia que se busca transportar. É assim que o estudo do direito fundamental ao emprego, na vertente manutenção dos contratos, precisa também passar pelo estudo dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, este é o tema proposto e, mais importante, a linha de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, qual seja, a de estudo da efetividade dos direitos fundamentais.
Em razão do acima exposto parece mais do que razoável a passagem por referido estudo, observando-se, no entanto, que a elaboração do estudo dos direitos fundamentais será voltada para os objetivos dos estudos aqui propostos.
Portanto, não se trata de um estudo geral e amplo, mas sim restrito e direcionado, pois a dissertação não é sobre a teoria dos direitos fundamentais, em si mesma. Versa sobre a teoria voltada para um ramo específico, o direito do trabalho; no assunto em pauta, o direito ao trabalho, com uma vertente pormenorizada, a manutenção dos empregos, como uma técnica de preservação de um bem maior.
Como sugere Robert Alexy, em seu livro sobre direitos fundamentais, são teorias que levam a uma teoria, ou seja, diversos estudos sobre o mesmo tema que proporcionam uma base mais sólida para uma teoria única, a qual chama de integradora.
Duas grandes obras se mostram aplicáveis, de forma mais incisiva aos estudos dos direitos fundamentais, como os livros de Robert Alexy, obra referida acima e Ingo Wolfganf Sarlet , embora não sejam excluídas as análises de outras obras a respeito do tema tratado.
Tendo em vista as orientações do autor alemão, a ideia é evitar a mixórdia de muitas teses e buscar a construção inversa, ou seja uma teoria que tenha um sustento teórico suficientemente forte para convencer o leitor e demonstrar cientificidade no caminho percorrido, como se lê na passagem abaixo:

“A ideia de uma teoria integradora está sujeita a dois tipos de incompreensões. O primeiro sugere que o postulado de integração conduziria a uma enorme mixórdia. O que se pretende é exatamente o contrário: um sistema de enunciados gerais de direitos fundamentais, corretos ou verdadeiros, ordenados da forma mais clara possível. O segundo tipo de incompreensão sugere que o programa integrativo exige demais da teorização dos direitos fundamentais, fazendo com que toda teoria dos direitos fundamentais pareça insuficiente ou sem valor se, mesmo que verdadeira ou correta, ela não for ampla.”

A clareza do autor, em busca de uma cientificidade para justificar a teoria integradora dos direitos fundamentais, é um norte para que os estudos acerca dos direitos fundamentais aplicados ao direito do trabalho, na vertente da proteção ao emprego, possa também integrar várias teorias, sem correr o risco de se tornar um descrédito ou mesmo sem valor.
O empenho na colheita das teorias e sua sistematização, portanto, parece mais difícil e deve guardar quanto mais possível uma coerência sistêmica. Daí a importância da eleição de obras que tragam coerência ao estudo proposto.
A primeira grande preocupação é indicar qual a verdadeira distinção entre eficácia e efetividade dos direitos fundamentais e suas aplicações nas mais diversas relações; seja do Estado para o particular; seja entre particulares, também em suas gerações, ou dimensões, como alguns preferem indicar, desde os primeiros direitos de liberdade, até o estágio atual, como o direito à democracia e à paz.
Ao passar pela ideia de eficácia, na vertente horizontal, especialmente quanto aos direitos de segunda e terceira geração teremos a ideia voltada especialmente ao trabalho sugerido.
Comecemos pelo mais importante, a denominação, pois como sugere o brocardo jurídico Initium doctrinae sit consideratio nominus, ou seja, no início da doutrina há uma grande necessidade de se pesquisar sua denominação, como já anunciado na obra de Tércio Sampaio Ferraz Junior “Introdução ao Estudo do Direito” .
A diferenciação entre as denominações, quais sejam, eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, trará base para o desenvolvimento de cada estágio desses direitos. Eficácia, nesse sentido, seria gênero, pois se refere a uma esfera subjetiva, de previsibilidade, capacidade de produção de efeitos jurídicos, mas, para tanto, precisa de dois requisitos básicos: um de natureza fática e outro de natureza técnico normativa.
No plano do quesito técnico normativo teríamos os critérios formais ligados a tempo e vigor, em determinada época os direitos que seriam capitulados e estivessem em vigor.
Já no plano fático, seria a capacidade de geração de efeitos perante a sociedade, sua eficácia social. Aqui reside a linha da efetividade, ou seja, da capacidade que transcende o mero subjetivismo, para passar a objetividade, seria a concretude fática dos direitos fundamentais.
É assim que a pesquisa busca a efetividade dos direitos fundamentais, deixando claro, no entanto, seu precedente essencial, a eficácia, como critério formal imprescindível.
A importância da eficácia não se discute, inclusive por ser o suporte teórico da efetividade. Mas esta última será o centro do desenvolvimento do estudo, pois apesar da gama de previsões constitucionais sobre direitos fundamentais trabalhistas, a sua aplicabilidade e regulamentação em sentido infraconstitucional, como meios de dar efetividade, têm sido pouco debatidos e aplicados.
Para que isso se mostre congruente, este estudo estabelece uma linha evolutiva de direitos fundamentais, a partir do mais amplo convergindo para o mais restrito.
Para a teoria de Robert Alexy e para tantos outros estudiosos do direito, em geral, bem como o direito do trabalho, esta é a forma de se demonstrar um caminho crescente na base de desenvolvimento do estudo.

1.2 Origem e Evolução dos Direitos Fundamentais

A origem dos direitos fundamentais passa pela análise de sua contextualização histórica e pelo estudo das constituições modernas que catalogaram os direitos fundamentais de forma sistemática. Nossa Constituição Federal tem catalogado o rol de preceitos eleitos para serem direitos fundamentais com intuito de apresentar uma noção introdutória que sirva de base para a regulação posterior pelo direito infraconstitucional.
É imperioso notar que houve um momento histórico de constitucionalização dos direitos sociais, mas que não se confunde com a inserção dos direitos fundamentais nas constituições. Em certo momento histórico, houve uma pressão social para que incorporasse direitos de segunda geração, como direitos constitucionais, que incluíam os direitos sociais, trabalhistas e assistenciais.
Os direitos sociais não traziam a efetividade social dos direitos fundamentais e sequer poderiam tê-lo feito, o que não significa algo ruim, já que não se pode ter um olhar anacrônico para os avanços históricos de proteção ao ser humano. Assim, a constitucionalização dos direitos sociais já representou um avanço. Entretanto, não seria viável confundir direitos sociais com a catalogação dos direitos fundamentais, que virá mais tarde na história.
A catalogação dos direitos sociais e trabalhistas serviu de base para a construção da teoria dos direitos fundamentais, uma vez que esses direitos se tornaram fundamentais na teorização que se busca demonstrar, a seguir, quando a história avançar na intensidade da proteção.
A declaração do Estado da Virginia e a Declaração Francesa são os documentos que deram origem ao que se conhece hoje por direitos fundamentais, respectivamente em 1777 e 1789, numa lógica negativa, de direitos de primeira geração, pois a ideia era manter as liberdades sem que o Estado as afrontassem.
Já em termos de segunda geração de direitos podemos citar, como costumeiramente faz a doutrina, a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919, como o início da constitucionalização de direitos sociais no plano internacional.
A primeira Constituição no Brasil a internalizar os direitos sociais foi a Constituição Federal de 1934, com um caráter pragmático, meramente positivista, mas sem qualquer força normativa constitucional como se tem na fase constitucional pós-positivista.
Alguns tratados internacionais consagraram a teoria dos direitos humanos, principalmente a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948, já fruto do momento subsequente à segunda guerra mundial.
Nesta linha, seguiu a própria Constituição Alemã, em 1949, já com uma forte carga de busca de implementação de uma vertente social que possibilitasse a superação dos horrores da guerra.
A terceira geração desses direitos trata da fraternidade, da solidariedade, como uma busca de globalização, no entanto, de forma silenciosa e expansionista.
O indivíduo não pode ser visto como único, mas como povo, como nação, numa visão do todo, momento que o Estado passa a se preocupar com as condições que mantém o coletivo (em sentido amplo), como se observa no cuidado com o meio ambiente.
A doutrina ainda fala em direitos de quarta geração, referentes à democracia e pluralismo, além do direito a informação, também tratando de uma quinta geração que é o direito a paz.
Infelizmente, o Brasil tem vivenciado saltos de aplicação dessas gerações sem um amadurecimento social, portanto, sem uma legitimidade absoluta na concepção e desenvolvimento desses direitos. Isso se torna perigoso, já que de tempos em tempos observamos retrocessos nesses direitos com fins a adequá-los à realidade social. Esses retornos históricos ocorrem especialmente na tentativa de um resgate de valores desses direitos fundamentais, por exemplo, certas movimentações populares na tentativa de resgate de uma democracia participativa, a quarta dimensão, portanto.
José Afonso da Silva em seu “Curso de Direito Constitucional Positivo” trata dos direitos sociais sob a perspectiva positivista, o mesmo acontecendo com o Celso Ribeiro Bastos. Porém, nenhum deles aborda uma visão pós-positivista do tema.
A Constituição Alemã foi a primeira a adotar os direitos sociais como normas vinculantes sob a perspectiva pós-positivista. Nessa fase pós-positivista, os direitos sociais passaram a ser tratados como direitos fundamentais com eficácia normativa e vinculativa ao Poder Público.
Anteriormente, inclusive no Brasil, referidos direitos eram tidos por normas programáticas, como podemos perceber na passagem a seguir:

“A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do Direito positivo. A Constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Mas certo é que isso não resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida de e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais. (grifos acrescidos)

Em seguida, podemos citar as constituições Portuguesa, Espanhola e a do Brasil de 1988, agora, sim, com uma eleição de direitos fundamentais que, ao mesmo tempo, se relaciona, mas não se confunde com a lógica dos direitos sociais e nem mesmo com o que se conhece por direitos humanos. Importante destacar que os direitos sociais e os direitos humanos são fundamentais à medida em que são eleitos como tal, não por si próprios, somente por serem sociais ou humanos, mas por comporem um sistema de proteção ao homem.
Por isso, a importância do estudo de autores como Robert Alexy que ao lado de Ronald Dworking (Professor da Universidade de Harvard e Universidade de Nova York nos Estados Unidos da América) são os pioneiros no desenvolvimento da aplicação pós-positivista dos direitos fundamentais.
A partir disso, constatamos as dimensões subjetiva e objetiva de direitos fundamentais, ou seja, uma lógica de previsão, como um direito subjetivo e uma lógica de aplicação, como um direito realizável, respectivamente positivismo e pós-positivismo.
Nas diversas perspectivas podemos sistematizar os direitos fundamentais e sua construção evolutiva da seguinte forma:
1. Direitos naturais de todos os homens – caráter filosófico ou jusnaturalista: direito natural básico do homem é a dignidade da pessoa humana. Como um de seus grandes teóricos, podemos citar o francês Jacques Maritain em sua obra “O Homem e o Estado”;
2. Direitos mais importantes das pessoas para determinado tempo e lugar dentro de um Estado em concreto ou certa comunidade de Estados – perspectiva de Estado Constitucional . Como um de seus defensores, podemos citar José Carlos Vieira de Andrade – Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa;
3. Direitos essenciais das pessoas em certo tempo e lugar em grandes regiões do mundo, caráter universalista – como defende Flávia Piovesan , ao descrever que o paragrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal é um retrocesso, por ter chegado tarde demais, quando os tratados internacionais sobre direitos humanos já tinham aplicação imediata.
Numa perspectiva universalista direitos fundamentais seriam os direitos humanos, mas limitados quando catalogados em certo Estado ou Constituição. Por isso, direitos fundamentais seriam os direitos constitucionalmente garantidos internamente ou por influência dos tratados internacionais sobre direitos humanos, quando internalizados com caráter constitucional e passando a compor o catálogo dos direitos fundamentais. Assim, se lê o catálogo de direitos fundamentais na ordem interna.
O Brasil elegeu seu rol de direitos fundamentais a partir do Capítulo II do Título I da Constituição Federal, observando a possibilidade de outros previstos na própria Constituição ou direto de tratados internacionais e que guardem correlação com o catálogo, a teor do parágrafo 2º do artigo 5º.

“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (grifos acrescidos)

Primordial, então, perceber que nossa eleição acerca de um catálogo de direitos fundamentais parte de uma esfera constitucional desses direitos, expressamente no capítulo indicado, sem excluir as correlações com os demais direitos e princípios da própria Constituição.
No entanto não emana de leis infraconstitucionais, que podem, a seu turno, regulamentar tais direitos, mas não criá-los, pois nossa opção foi deixar para o legislador constituinte tal missão.
Portugal adotou outras concepções, por exemplo, e tem disposição expressa acerca da possibilidade de lei infraconstitucional criar ou ampliar o rol de direitos fundamentais. Vejamos o artigo 16 da Constituição da República Portuguesa:

“Artigo 16.º (Âmbito e sentido dos direitos fundamentais): 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.” (grifos acrescidos)

É preciso que se respeite essa regra, como forma de afirmação e manutenção da credibilidade da tese, sob pena de cairmos no descaso, dizendo que tudo é direito fundamental, não respeitando, na prática, esses direitos como tal. Foi a opção do legislador constituinte originário, como constatado no citado artigo 5º, parágrafo 2º a Constituição Federal.
Assim, a ideia inicial é a de que os direitos fundamentais serão aqueles objetivados pela Constituição Federal, de forma específica para os trabalhadores, ou até de forma inespecífica, mas todos decorrentes da Constituição e seus princípios fundamentais.
Com essa construção, podemos dizer que a principal fonte de direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico é a Constituição Federal, seja por meio do capítulo específico, seja a partir dos demais princípios e garantias decorrentes do capítulo precedente. Ao legislador infraconstitucional resta a regulamentação de forma a ampliar o campo de atuação de tais direitos.