sábado, 8 de março de 2014

Decadência

Caríssimos,
Segue uma cópia de um verbete publicado no dicionário jurídico da LTr. Na verdade escrevi vários verbetes nesse dicionário, esse é um deles.
Trata-se de um simples ensaio, mas o compartilho para conhecimento dos interessados.

Decadência.


Em se tratando de direito do trabalho e sua aplicação, aqui está um instituto pouco estudado, pouco difundido e que causa uma imensa confusão aos que se vêm obrigados a tê-lo em seu caminho, em razão da proximidade com seu primo rico, a prescrição.
O Código Civil acabou por tratar ambos no mesmo título, descrevendo a prescrição e a decadência, sendo esta tratada no Capítulo II do Título IV.
O ponto comum aos dois institutos é a ideia de perda de algo em decorrência da fluência de um lapso temporal determinado. Aqui podemos dizer que se trata da perda do direito, pelo lapso temporal transcorrido em determinada circunstância.
Diz-se ser o primo pobre do instituo vizinho, a prescrição, pelo menor número de incidências em casos cotidianos e da menor complexidade em sua operacionalização, uma vez que o próprio Código Civil prevê que ressalvada previsão legal expressa em contrário, à decadência não se aplicam os casos de suspensão, interrupção e impedimento de fluência de seu prazo, sendo assim contínua sua fluência. Leia-se o artigo 207 do Código Civil.
Contudo, por previsão expressa do artigo 208 ainda do diploma civil, aplicam-se algumas disposições bem específicas da prescrição à decadência, trata-se das previsões descritas nos artigos 195 e 198, I, ainda do mesmo diploma acima citado.
Quanto ao disposto no artigo 195, informa que os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm direito de ação contra seus assistentes ou representantes legais, entendidos esses como os que deveriam zelar por seus direitos, que derem causa a aplicação da decadência contra seus interesses.
Já o disposto no artigo 198, I diz respeito a única hipótese em que se verá uma causa impeditiva de fluência de prescrição aplicável ao prazo decadencial, trata-se do absolutamente incapaz. Perceba que não há contrassenso com o artigo acima citado, pois aqui estamos a tratar dos absolutamente incapazes, enquanto no artigo precedente tratamos dos relativamente incapazes, contra quem fluem normalmente os prazos decadenciais, e, portanto, possível que seus representantes legais não se atentem para a devida tutela de interesses de seus representados e acabem por responder a uma ação por tal ocorrência, o que não ocorrerá com os representantes dos absolutamente incapazes, já que contra esses não flui prazo decadencial.
Ao contrário da prescrição, que por muitos e muitos anos tinha como norte a arguição da parte interessada para sua aplicabilidade, a decadência sempre teve como regra o reconhecimento e a aplicação de ofício, o que, aliás, sempre foi um elemento de diferenciação entre os dois institutos. Hoje podemos dizer que tal distinção não é absoluta, ante a previsibilidade da aplicação de ofício da prescrição, o que ainda demandará um tempo de maturação quanto à aplicação dessa disposição no direito do trabalho, mas já não pode mais servir de elemento absoluto de diferenciação entre prescrição e decadência, teoricamente consideradas.
O artigo 209 do Código Civil traz essa disposição de forma expressa, dizendo ser nula a renuncia à decadência prevista em lei.
Com essa última colocação, podemos trazer a tona mais um elemento da decadência, que é a existência de decadência legal e de decadência convencional, ou seja, alguns prazos decadenciais decorrem de expressa disposição de lei, mas outras decorrem da vontade das partes, que podem fixar prazos em negócios jurídicos com natureza decadencial.
A decadência convencional não recebe o mesmo tratamento da legal, pois pode haver renúncia, o que a torna matéria de ordem privada, pois necessita de alegação expressa das partes, sob pena de renúncia, inclusive tácita.
Complementa essa distinção o artigo 210 do mesmo código, ao dizer expressamente que ao juiz se impõe o reconhecimento da decadência legal, silenciando quanto à decadência convencional.
Assim, conclui-se que é possível haver prazo decadencial legal e convencional, bem como de que a decadência legal é matéria de ordem pública, reconhecível de ofício pelo juiz, não sujeita a preclusão e irrenunciável, enquanto que a convencional é de ordem privada, devendo ser alegada pelas partes, sob pena de preclusão e vedado o reconhecimento de ofício.
Quanto a essas últimas colocações ver o artigo 211 do Código Civil, que estabelece uma importante regra de atitude da parte interessada, permitindo que alegue em qualquer tempo ou grau de jurisdição, mas impossibilitando que seja feito de ofício.
A decadência, de forma muito simples e direta, atinge pretensões de cunho declaratório e constitutivo, enquanto a prescrição as de cunho condenatório. Por isso, a prescrição só atinge a pretensão, enquanto a decadência o próprio direito, ou seja, o direito de declará-lo e constituí-lo, em razão da implementação de condição temporal.
As duas formas de prazo decadencial têm desenvolvimento prático restrito, se comparadas com a prescrição, mas entre elas a mais difundida para fins teóricos é a decadência legal, até pelo fato de que a convencional, como o próprio nome sugere, depende de atitude das partes, e deve ter estudo individualizado a cada ocorrência, sendo certo que sempre que algo for tratado para que uma das partes contratantes alcance um direito, dependente de uma condição com prazo, estaremos diante da possibilidade da constituição de um direito, e, portanto, de um prazo decadencial.
Já a decadência legal, em termos de direito do trabalho, encontrou assento em algumas previsões expressas e outras por aplicação subsidiária do direito comum.
O primeiro e mais conhecido exemplo de prazo decadencial é o descrito no artigo 853 da Consolidação das Leis do Trabalho, quando trata do inquérito para apuração de falta grave e o prazo para sua utilização.
Diz o artigo em comento que o interessado terá 30 dias, a contar da suspensão do contrato, para movimentar demanda para dispensa de empregado estável que cometa falta grave. Só para que o leitor não se sinta perdido, em verdade a maioria dos casos de estabilidades os empregadores não precisam de autorização judicial para dispensa em caso de justa causa, pois podem aplicar a justa causa e o empregado é que deve procurar o Judiciário, se e quando entender cabível. Em verdade essa ação, inquérito para apuração de falta grave, somente restou aplicável a dois tipos de estabilidades, genericamente considerado o termo, o estável decenal e o sindical, para todos os demais falece interesse na movimentação dessa ação.
Contudo, para essas duas espécies de estabilidades, o direito do empregador de dispensar por justa causa tem prazo para ser movimentado, após o quê, estará decaído o direito, percebam como pode haver alguma dificuldade de entendimento, pois o prazo de decadência é para buscar judicialmente a declaração de resolução do contrato, por culpa do empregado, o que está numa linha muito tênue com a ideia de prescrição para movimentar demanda.
A diferença, no entanto, reside no fato de que ao estabelecer um prazo para movimentar o inquérito, sob pena de perder o direito de dispensar o empregado faltoso, passou-se a colocar em risco o próprio direito e não a pretensão processual. Perde-se, assim, o direito como um todo, macula-se o bem da vida e não a mera pretensão processual. Ao atingir o bem da vida, não importa qual foi a condição vinculada ao tempo, mas sim o resultado, não importa que a atitude tenha sido estabelecia como a de movimentar o Judiciário, mas sim que ao deixar transcorrer o prazo, o próprio direito estará maculado.
Veja como a hipótese se enquadra na ideia de decadência de forma absoluta, pois se estabelece um direito, dispensar o empregado, o que em regra e em princípio não poderia ocorrer. Em seguida diz qual a atitude que a parte interessada deve tomar para fazer valer seu direito, que é movimentar a ação de inquérito para apuração de falta grave. Por fim estabelece um prazo para o exercício desse direito, com fins declaratórios e constitutivos, nesse caso negativo, de desfazer o vínculo de emprego, de trinta dias. Perfeito o enquadramento como um prazo decadencial, já que uma vez ultrapassado o prazo sem que a parte tivesse se movimentado,implementa-se a condição temporal, que retira do interessado o direito de pretender declarar a falta e desconstituir o vínculo.
Outro exemplo de decadência legal vem do direito comum, que se trata do prazo para propor ação rescisória. A lei processual civil diz que o prazo para tal ação é de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir. Veja o artigo 495 do Código de Processo Civil.
O artigo citado fala claramente em prazo de dois anos para a propositura da demanda sob pena de perder o direito, bem como o marco inicial de sua contagem.
Ao seguir os mesmos elementos descritos no estudo introdutório e depois no exemplo do inquérito para apuração de falta grave, percebe-se que aqui se preenchem todos os requisitos para se declarar como decadencial o prazo estabelecido.
A ação rescisória tem como finalidade desconstituir a coisa julgada, através de ação declaratória de competência dos tribunais, para tanto, a lei prevê qual a forma para se buscar esse direito e o prazo para implementar tal atitude.
Se temos a previsão de um direito, com cunho declaratório e constitutivo, mais uma vez negativo, com lapso temporal determinado e sob pena de perda do direito, claramente estamos diante de um prazo decadencial.
O Tribunal Superior do Trabalho tem tratamento expresso quanto às duas hipóteses de decadência legal acima descritas, sendo a Súmula 62 para o caso de inquérito para apuração de falta grave, onde diz se tratar de um prazo decadencial. Já a Sumula 100 trata especificamente da hipótese de ação rescisória, também descrevendo o prazo como decadencial.
Assim, diante de tudo quanto acima dito, basta ao leitor atento, que busque dentro de um instituto os componentes certos, o preenchimento correto dos critérios descritos acima, para conseguir enquadrar um prazo como sendo decadencial, sendo eles: direito de declarar e/ou constituir algo, com prazo determinado, dependente de atitude do interessado ou de implementação de uma condição, sob pena de perda do direito em si.

» Referências normativas:
CLT, arts. 853, 854 e 855; CPC, arts. 495; CC artigos 195,198, I e 207 a 210.

»Jurisprudência uniforme dos tribunais:
TST-Súmula n.º62 – “Abandono de emprego. O prazo de decadência do direito do empregador de ajuizar inquérito em face do empregado que incorre em abandono de emprego é contado a partir do momento em que o empregado pretendeu seu retorno ao serviço.”

TST- Súmula n.º 100 – “100 - Ação rescisória. Decadência.I - O prazo de decadência, na ação rescisória, conta-se do dia imediatamente subsequente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não. (ex-Súmula nº 100 - Res. 109/2001, DJ 18.04.2001)....X - Conta-se o prazo decadencial da ação rescisória, após o decurso do prazo legal previsto para a interposição do recurso extraordinário, apenas quando esgotadas todas as vias recursais ordinárias. (ex-OJ nº 145 - DJ 10.11.2004).”


»N. do Org. Veja também:prazo; perda do direito; declaração de direito; constituição de direito.

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