quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A SOCIOLOGIA ATUAL DO TRABALHO HUMANO

Caros amigos,
Compatilho com você um artigo publicado há pouco tempo em uma revista especializada.
Para conhecimento e eventuais comentários.


Introdução
Muito se discute nos dias de hoje, como jádeveria ter sido discutido exaustivamente no passado, qual a verdadeira consequência do trabalho na vida humana, como o trabalhador vê e se relaciona com o trabalho e qual o reflexo de tudo isso na sua vida integral, no trabalho, em casa, no lazer, com os amigos, dentre diversos outros aspectos.
Os juristas muitas vezes têm respostas prontas que podem não se coadunar com o verdadeiro sentido que a relação tomou, a verdadeira proporção dessa condição. Nem tudo gira em torno daquilo que nós mesmos vivemos e temos como certo.
Há um relato de um autor americano, chamado Michael J. Sandel, em que em uma das passagens de sua obra, na qual ela questiona qual a coisa certa a se fazer, buscando um senso comum de Justiça, ele diz que não podemos nos pautar pelo olhar do incluído, para saber o que os excluídos pensam. Assim a partir de uma leitura,onde aborda uma tese filosófica de John Rawls, diz que o ideal seria vestir as pessoas com uma venda, com o intuito de que ninguém soubesse exatamente em que posição estaria na sociedade ao retirar a venda e ter feito as escolhas que a todos se aplicaria.
Apesar de parecer absurdo é certo que ao colocar essas pessoas no mesmo patamar de incertezas a chance de que a maioria delas escolha uma justiça mais distributiva é grande, sem grandes diferenças sociais e com acesso a bens e serviços a todos de forma mais generalizada, o que permite uma visão mais social do que libertária.
Assim deveriam agir os juristas, não pensando em si mesmos ou em seus processos ou problemas profissionais, mas sim sob um manto de desconhecimento que não os permita saber ao certo onde e como estarão após suas escolhas.
Veja a citação da passagem a seguir em que o autor buscando o raciocínio de equidade tenta trazer às pessoas um senso coletivo de justiça, sem prévias concepções:
“John Rawls (1921-2002), filósofo político americano, dá uma resposta esclarecedora a essa pergunta. Em sua Teoria da justiça (1971), ele argumenta que a maneira pela qual podemos entender a justiça é perguntando a nós mesmos com quais princípios concordaríamos em uma situação inicial de equidade.”
Resta claro que o autor cita o filósofo buscando um senso de justiça a partir da opinião dos próprios envolvidos, no caso os cidadãos de determinada comunidade, mas cada um deles despido de interesses.
Contudo, somente fazê-lo, sem estabelecer um senso de igualdade entre essas pessoas pode levar a escolhas distorcidas ou a escolhas que privilegiem certas classes que podem ter mais ou menos a perder e então a resposta não seria algo naturalmente pensado e aceito.
Para corrigir esta distorção ou retirar de cada um o interesse individual que pauta suas vidas, ele propõe o que acima foi descrito, que todos partam de um mesmo ponto e que ninguém saiba qual será o destino de cada um.
Veja a passagem a seguir:
“Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os princípios escolhidos seriam justos."
Isso me leva a crer que a visão dos filósofos, e como será visto mais a frente, dos sociólogos, sobre certos assuntos, está menos distorcida do que a dos juristas, que com pressupostos prévios já arraigados em sua estrutura pensante não conseguem, via de regra, se desvencilhar de certos dogmas para buscarem uma dialética de antítese a uma tese inicial, formando uma síntese e assim seguir nesse círculo virtuoso de perguntas e respostas em busca de um verdadeiro pressuposto em que todo o homem médio possa concordar.
E aqui está o cerne desse prólogo, buscar uma aceitação do homem médio, não dos mais letrados, não dos mais sábios, não dos mais abastados, dos mais inseridos, mas colocar-se no lugar alheio, enxergar o mundo com um “véu de ignorância” que nos permita tomar partido ciente de que isso possa refletir no nosso próprio destino.
A partir disso, nós podemos começar a desenvolver a ideia do trabalho, da forma como concebido hoje, como um fator que aliena o cidadão e lhe retira o bem maior, de livre arbítrio, de optar ou não por certa submissão – ou subordinação como podem preferir alguns - sem estar o tempo todo com a “faca no pescoço”.
Por isso que o trabalho como um fator de alienação precisa de um olhar de fora para dentro, ou seja, o que os filósofos e sociólogos pensam a respeito disso.
Eis aí o norte e fio condutor do presente ensaio, a sociologia do trabalho, a filosofia e a filosofia do trabalho, a luz de três grandes obras, de grandes autores que defenderam teses nesse sentido sendo que duas obras foram escritas em meados do século passado.
Os primeiros, Georges Friedmann e Pierre Naville – na obra Tratado de Sociologia do Trabalho – Cultrix 1973, volumes I e II – buscam demonstrar como as questões do trabalho agem, coagem, alienam ao invés de tornar aptos, parecendo mais adestrar o trabalhador, do que torna-lo vocacionado propriamente dito. Inseridos num mundo de consumismo extremo, ostensivo, tendo o ter como principal elemento de desenvolvimento e propaganda, incentivando muito pouco o lazer pleno do trabalhador, sem uma desconexão efetiva do trabalho, de forma que permita ao trabalhador esquecer seu patrão e usufruir de forma plena de seu tempo livre.
Já o terceiro, Felice Battaglia, na obra Filosofia do Trabalho – saraiva – 1958, falando sobre o trabalhador tomando consciência de si e do próximo, como fator de prevenção de alienação.
Una-se a eles a obra dos professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera, na obra O Capitalismo Humanista - 2011, os quais buscam estabelecer a realidade da importância de cada homem e de todos os homens para a sociedade.
E as perguntas que encerrarão este trabalho: quem sobreviverá, o alienado ou o vocacionado? O trabalhador está pronto ou não para tomar ciência de si e do próximo? Com isso podemos concluir se o papel do direito do trabalho vem sendo o não implementado no cotidiano dos mais necessitados, os próprios trabalhadores.
A junção do estudo dessas obras nos leva a refletir sobre o mundo que herdamos, o mundo que desenvolvemos e o mundo que pretendemos deixar para as futuras gerações.
A própria Constituição da Republica Federativa do Brasil nos orienta a pensar no futuro quando trata de um dos bens mais importantes de todos: o meio ambiente. Inclua-se a aqui o meio ambiente do trabalho, já que assim descrito na mesma Carta Constitucional:
“Artigo 200...
...
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (grifos acrescidos)
História não é só passado, é também futuro, razão pela qual a pesquisa do passado nos permite vislumbrar o que nos espera no futuro, a partir da visão do que temos no presente.
Assim, o trabalho se coordena neste sentido, buscando alocar tais preocupações -algumas apontadas há mais de 60 ou 70 anos, se consideradas as datas de desenvolvimento de alguns dos livros abordados - no mundo atual, e o quanto ainda é real a previsão negra feita por esses autores quanto ao futuro do trabalho, como abordado em uma das obras.
As cabeças pensantes desse país, como tutores da massa alienada de trabalhadores, precisam se posicionar e decidir que mundo pretendem defender e desenvolver, se aquilo que temos feito e defendido está de acordo com os desígnios da dignidade humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, veja, essa livre iniciativa não é absolutamente livre, já que inserta na mesma lógica do valor social.
É preciso imprimir uma lógica de humanismo que nos permita uma análise mais solidária das circunstâncias que envolvem o trabalho, com responsabilidade social, exigindo de cada um o cumprimento de seu papel na sociedade.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO HUMANO

COAÇÃO
Falar em direito do trabalho antes da abolição da escravidão no Brasil é inócuo, já que a vontade humana era muito pouco desenvolvida.
Assim, a coação natural a que estava submetido o homem, ou mesmoa coação que um homem imprimia ao outro – observando os dois lados da relação – impedia que se desenvolve-se a plena capacidade de geração de um direito que mais tarde seria conhecido como o direito do trabalho.
Nesse período, ao se buscar um elemento concreto, encontra na Lei Aurea seu primeiro lampejo de liberdade. Não podemos falar em trabalho da forma como concebemos hoje e desde os primeiros anos do século XX, antes da abolição da escravidão.
O homem até então, o trabalhador especialmente, era tido como um bem, o qual podia ser negociado ao arrepio de qualquer direito humano que se pudesse pensar a ele devido.
Mas não há engano, ainda hoje convivemos com situações de trabalho em que a coação, não aquela acima descrita, mas a velada, a implícita, aquela que não se externa em palavras ou ações diretas, mas se perfaz da forma mais ardil que pode haver, a consciência plena de que ela está presente, fingindo haver liberdade plena.
Isto se exterioriza das formas mais diversas possíveis e atinge todas as classes de trabalhadores, dos mais simples e braçais até os mais altos cargos intelectuais.
Vejamos em primeiro lugar a coação moral, imposta ao trabalhador por meio de cobranças diretas ou veladas, chegando algumas vezes a configurar aquilo que chamamos de assédio moral, ou menos, uma mera vigilância permanente sobre as atitudes dos trabalhadores, levando-o a uma auto cobrança que consegue ser mais incisiva e perversa do que aquela que vem de fatores e atitudes externas.
Veja por exemplo, a imposição e cobrança de metas, ainda que sutis, como critério de premiação.
Alguns dirão: mas não é para excluir, mas sim para incluir os mais produtivos. Nenhuma falácia poderia ser maior, pois o não incluir também pode significar o excluir. Implementa-se um sistema de inclusão de pessoas determinadas, aquelas que conseguem abrir mão cada vez mais de seus valores, da ética, da solidariedade e até de anseios pessoais para atingir uma determinada marca para agradar o empregador e ao final receber a tão esperada premiação.
E isso traduzido num contexto continuado da relação jurídica traduz em não inclusão dos demais.
Ambos sofrem, o que nada alcançou, por não ter de fato a produção que dele se esperava, ainda que esteja consciente de ter feito o regularmente alcançável. Mas também sofre o que alcança, pois abre mão de uma vida mais saudável, mais digna em troca de alcançar algo que geralmente não é o razoável.
Arrisco a dizer que o segundo está mais coagido, pois uma vez no topo e quanto mais se sobe, maior será a queda e, portanto, a pressão para que se mantenha ou melhore seu desempenho a cada novo desafio que lhe é imposto.
O resultado: ambos estarão, a seu modo e por suas razões, coagidos e infelizes, pois o trabalho lhes fez pessoas submetidas a condições indignas de convivência e sobrevivência.
Qual é, por exemplo, o advogado de um grande escritório que tem coragem de trabalhar tão somente as suas oito horas diárias e fazer integralmente sua refeição sem se sentir coagido a permanecer mais tempo, se alimentar mais rápido, a produzir mais, ganhar mais causas, atender cada vez mais e melhor o sócio do escritório e entra num circulo vicioso de grande coação?
Quem seria, da mesma forma, o juiz que diante de tantas cobranças de metas e números, e pretendo ter uma carreira minimante evolutiva, não sonega o sono, o descanso, o lazer, a refeição?
E cada um dos juízes e advogados que fazem isso, colocam os demais pares, também juízes e advogados, numa linha de comparação que os tornam “preguiçosos”, “improdutivos”, e geram um sentimento geral de auto cobrança, de coação. Os primeiros pela manutenção de seu desempenho, os demais para alcançar aquele patamar.
Transportemos isso para os trabalhos mais humildes, mais físicos, mais fadigantes, mais desgastantes, e a menor possibilidade de auto defesa dessas pessoas, a condição se torna perversa por qualquer ângulo que se analise.
A mim não resta dúvida de que a coação que se exerce hoje, pelas circunstâncias que são criadas pelo mercado de trabalho, do mais humilde ao mais intelectual, mantem perversa a lógica da coação.
Mas acresça-se a coação moral, a coação física. Ainda hoje convivemos com pessoas inseridas em lógica de trabalho em condições análogas a de escravo.
Pessoas que são obrigadas, sem qualquer chance de resistência a se manterem em seus empregos, por horas a fio, sem qualquer lazer, descanso, vida social ou oportunidade de busca de novos horizontes.
Grandes empresas, multinacionais, pequenos empreendedores, no âmbito urbano ou rural submetem por coação física irresistível pessoas a condições análogas a de escravo. São trabalhadores que adquirem pseudodívidas, gratidões impostas, impossibilidade de locomoção por circunstância física ou financeira, e que acabam submetendo os trabalhadores coagidos que se vêm impossibilitados de reagir.
Alguns citam até mesmo a escravidão branca que se cria com o emprego doméstico em certas circunstâncias. O autor renomado, Ricardo Oliveira, em seu livro O novo mundo Digital , cita que referida forma de trabalho continua a mesma lógica da escravidão, contudo dentro dos apartamentos das grandes cidades, com seus empregados domésticos.
A continuidade da escravidão branca – a escravidão vertical – continua a existir a senzala e a casa grande – dentro dos apartamentos de cada cidade – com elevadores sociais e de serviço, com dependência de empregadas de tamanhos irreais, os proprietários que sequer colocam os pés na cozinha, deixando esse trabalho manual para os servos dos lares.
Quanto a coação financeira sequer há defesa social plausível – lógica do ter – evitar o suicídio social – estar fora de um sistema de propriedade de bens, ainda que não sejam bens de primeira grandeza ou de utilidade essencial.
A televisão faz isso o tempo todo, busca incutir nas pessoas um sentimento de poder que passa pela lógica única e exclusiva do consumo e posse de certos bens e serviços que parecem ser a única via de acesso social a dignidade.
E qual seria a forma do homem honesto e comum de adquirir tais bens, pelo trabalho é claro, assim se submetem a jornadas extenuantes, dupla ou tripla jornada, dois ou três empregos – como se vê, por exemplo, com aqueles que trabalham em jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso – para, tendo mais condições, continuar a consumir e a se sentir inserido num mundo que só demonstra importância para o ter.
Sob essa ótica, resta clara a continuidade de uma coação inerente a qualquer trabalhador, mesmo em tempos de alto desenvolvimento humano, de milhares de vias a informação, a continuidade da coação leva as pessoas à completa alienação de sua importância para o mundo e do trabalho para o seu mundo.
O ilustre Georges Friedmann, trata exatamente deste tema sob o título trabalho e ação em sua obra já citada, quando diz ser insustentável esta forma de trabalho, necessitando da mudança de paradigma e de aumento de participação da personalidade, mesmo quando essa forma de trabalho pareça trazer satisfação, pois em verdade ela se torna insustável:
“Notemos que o elemento de coação, obrigação, disciplina, inerente às atividades de trabalho, é nesse sentido de maneira muito diversa. Mesmo quando consciente, êsse sentimento pode coexistir com estados de satisfação, investigações que se tornaram clássicas, como as da Universidade de Michigan, dirigidas ou inspiradas por Daniel Katz e Robert L. Kahn, mostraram a complexidade das dimensões do moral na emprêsa. Mas a satisfação no trabalho, experimentada a despeito das coações inevitáveis que êste supõe, não pode manter-se, com o tempo, sem uma certa adaptação do indivíduo às suas tarefas e um grau mínimo de participação da personalidade.”
Raros são os casos dos que resistem, dos que se vêm mais dignos pelo ser, simplesmente ser, e não por aquilo que possuem ou buscam possuir (pois invariavelmente quanto mais se alcança, mais se busca).
A esses os parabéns, pelo desapego, pela percepção real do que realmente é importante, e em razão destes o próximo item, pois trabalham por ação e não por imposição, seja de que natureza for.
Aqui começam a ser construídas as respostas que tanto nos afligem, quanto a doença mais provável do alienado por coação, e o papel que o direito do trabalho terá em sua vida.

TRABALHAR POR AÇÃO
O contraponto do trabalho por coação é o trabalho por ação, que nas palavras de Georges Friedmann leva a liberdade, como se vê na passagem abaixo:
“Sob êsse aspecto, na medida em que supõe coação, o trabalho se diferencia em muitos casos da ação, que é liberdade. O trabalho é ação quando se alimenta de uma disciplina livremente aceita....”
O trabalho por ação tem seus primeiros marcos na revolução francesa e nos propósitos por ela emanados, quanto a liberdade, igualdade e fraternidade, especialmente na primeira vertente, quando liberta o homem da garra exploradora de outros homens e da última, quando prega o direito a fraternidade entre os homens, que pode muito facilmente ser entendido como um direito de solidariedade entre os homens.
A partir desta perspectiva começa a se desenhar uma possibilidade de trabalho livre e da busca de trabalho por ação, ou seja, algo que se tem por livremente aceito.
Se entendermos que a coação é o contrário da ação e que aquele praticamente exclui este, não teríamos trabalho propriamente dito, enquanto o homem estivesse submetido a todo e qualquer tipo de submissão quanto à forma e conteúdo do trabalho.
Poderia parecer utópico pensar em trabalho puramente por ação na atual realidade social, mas esse deve ser o objetivo da comunidade jurídica no tratamento do instituto e seus desmembramentos.
A esse respeito podemos evitar algumas formas de relação que cada vez menos contribuem com essa perspectiva, como o trabalho terceirizado e em geral os trabalhos cooperados.
Ao imprimirem uma lógica de precarização do trabalho humano, as formas terceirizadas e cooperadas vão de encontro ao objetivo descrito, pois retiram das pessoas cada vez maisa hipótese de ampla proteção social pretendida pelo direito do trabalho, sua história, seus princípios, desenvolvimento, amadurecimento e afirmação como ramo autônomo do direito.
Isso nos leva a focar um olhar sempre restritivo a essas formas de trabalho, aceitando-as, se muito, em circunstâncias cada vez menos amplas. O desestimulo a essas formas de contratação facilita o trabalho por ação, evita a coação e a perda da identidade do trabalhador com os fins de seu trabalho.
Aqui o papel delineado nas primeiras linhas desse trabalho se mostra ainda mais expressivo, pois mais uma vez a resposta às perguntas postas nos leva a crer que o direito do trabalho, interpretado em sua forma mais verdadeira, ainda protege os trabalhadores dos males da coação, buscando uma via de proteção mínima àquilo que o Ilustre Ministro Mauricio Godinho Delgado chamou de patamar mínimo de civilidade, pretendendo sempre a melhoria da condição social do trabalhador. Assim se vê na passagem abaixo:
“... De fato, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de seus princípios, regras e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema que o compõe. Este valor – e a consequente direção teleológica, imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica...”.
É claro que se trata de um mínimo, mas abaixo disso teríamos a linha total da desproteção, como ocorre cotidianamente com os terceirizados e com os pseudo-cooperados.
Algumas leis, nesse senso, remam contra a ideia de proteção, ao estabelecer figuras paralelas ao trabalho, como se isso fosse proteger a relação dos desmandos cotidianos do trabalho, mas em verdade levam o trabalhador para uma zona cinzenta e dali, certamente, para uma lógica de desproteção e novamente de alienação, que não permitirá ao trabalhador exercer amplamente sua liberdade de atuação, que lhe permitiria realmente trabalhar pior ação.
A esse respeito temos a nova lei que trata dos trabalhadores em cooperativas, em que a previsão de certos direitos, como se fossem direitos trabalhistas, mas para não empregados, abre as portas da hierarquização na relação, com fixação de valores, horários, dentre outras coisas. Melhor seria manter a ideia de que a existência desses elementos geram o emprego o que permitiria a inclusão desses trabalhadores numa lógica de proteção social mais efetiva.
Em verdade, pelo espirito que rege as formas cooperadas de trabalho, a existência daqueles elementos na relação concreta permite ao interprete partir para a leitura do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho combinada com os princípios do sistema cooperativo de organização para afastar a hipótese de trabalho e reconhecer-se o vínculo de emprego.
Aqui uma leitura que retoma o caminho do trabalho por ação.

EMANCIPAÇÃO COMO FORMA DE DIGNIFICAÇÃO
A emancipação do trabalho passou por diversas fases e afirmações, mas a primeira delas foi a desvinculação completa com o ramo que lhe deu origem, o direito obrigacional civil.
Não seria possível tratar e desenvolver uma ciência jurídica própria, com desmembramentos como temos hoje, de ampla proteção e tratamento de uma relação própria à luz dos princípios e dogmas que regem o ramo civil.
Foi assim que o direito do trabalho se emancipou e se desenvolveu sob uma ótica diversa da prevista para o ramo civil.
Aqui a desigualdade é o norte a ser perseguido, não se pode pensar que a relação de emprego, ou mesmo o trabalho em si, poderia ser tratado como se as partes fossem todas iguais no momento de negociar e estabelecer as normas que regerão os contratos entre essas mesmas partes.
A desvinculação do direito civil se mostrava essencial, uma vez que naquela ótica acima descrita, o direito comum seria incapaz de alcançar a relação de trabalho como um todo, mas especialmente a espécie emprego.
Assim se criou um ramo com teses, princípios, judiciário, banco em cadeiras de universidades, desenvolvimento cientifico próprios.
A esse respeito a brilhante autora portuguesa Maria do Rosário Palma Ramalho, fala em tripé de sustentação da autonomia dogmática do direito do trabalho, como sendo:sindicato, greve e subordinação.
Podemos observar figuras paralelas em diversos seguimentos da sociedade, mas uma organização como a descrita ao sindicato não se vê em outra relação, com proteção ampla a formação, desenvolvimento, filiação, e até proteção contra o ato potestativo de dispensa em relação aos representantes eleitos.
A mesma coisa ocorre com a greve, que embora possa ter movimentos paralelos, como passeatas, mobilizações, organizações de proteção coletiva, nenhuma ganhou os contornos que se enxergam na relação de emprego, com possibilidade de paralização de sistema produtivo, justamente com a finalidade de criar um desconforto ao empregador como meio de força-lo à negociação coletiva. Vejamos a seguinte passagem no livro da autora portuguesa, acima referido:
“...por outro lado, o regime legal da figura pressupõe que o direito de greve se manifesta num vínculo jurídico de trabalho subordinado, ou de índole privada (e, nesse sentido, laboral) ou de índole pública, uma vez que fora desse contexto, a maioria dos aspectos deste regime não seria compreensivo nem aplicável...”.
Por fim e na mesma linha a subordinação, que em verdade é o elemento mais importante na formação da relação de emprego, e que não encontra paralelo em outras relações, chegando a mesma autora portuguesa a exemplificar o poder de subordinação, inclusive na dispensa motivada, como uma forma de autotutela, em que uma parte impõe a outra um sanção sem a participação do Estado.
Parece ter razão, e não se encontra paralelo no direito.
Situação bem mais incoerente e insegura seria arrastar os trabalhadores para a zona cinzenta – depois o futuro deles ficaria a própria sorte – parassubordinados, pejotização, etc., como formas de ignorar a importância do direito do trabalho.
Ao se colocar os trabalhadores na zona cinzenta há uma tendência bastante acentuada de se retira-los da proteção do direito do trabalho, pois a primeira arguição será que os direitos trabalhistas, como previstos na legislação, não seriam aplicados a estes trabalhadores.
Assim acontece com os cooperados, como acima descrito, principalmente com o novo regramento que se pretendeu impor pela Lei 12.690 de 2012, em que são colocados em uma zona cinzenta, pois a primeira arguição será da inexistência de emprego e de direitos descritos para essa classe de trabalhadores.
Outra relação colada à margem seria a dos terceirizados, pois embora possam ser empregados, são inseridos num contexto mais perverso de direitos, pois em regra seu empregador é uma empresa paralela, em que os direitos previstos, principalmente coletivamente considerados, são bem menores dos que os trabalhadores empregados da empresa tomadora, quando não uma diferença substancial de salários e demais benefícios sociais.
Ao se privilegiar essas relações paralelas corre-se o risco de ignorar toda uma evolução do direito do trabalho, como elemento de proteção, sua emancipação e por consequência a emancipação dos trabalhadores dos dogmas que impediam a ampla proteção de sua prestação de serviços.
O direito do trabalho, neste contexto, é o caminho mais seguro de proteção, sem um paralelo, pelo menos em regra, como uma forma segura de emancipar o trabalhador e permitir que ao invés de trabalhar sempre por coação, possa exercitar cada dia mais e melhor o trabalho por ação.

ADOECIMENTO MAIS PROVÁVEL DO COAGIDO
Por muitos anos houve uma negligencia contumaz quanto ao estudo jurídico do impacto do trabalho na vida do trabalhador, como este reagia ao tempo e as condições de trabalho. Os estudos sociais e filosóficos, no entanto, foram os mais qualitativos nesse campo – esta a razão das fontes de estudo desse trabalho – por isso, agora são o norte para o início do estudo jurídico.
Algumas visões jurídicas, contudo baseadas muito mais no impacto econômico do que nos efeitos jurídicos propriamente ditos, embalaram uma constante mudança de fator previdenciário, com pontos e contrapontos, pensando-se na falência do sistema – pelo menos é o que se anuncia aos quatro cantos - versus um avanço da expectativa de vida.
As mesopatias e tecnopatias, doenças relacionadas com o meio ambiente do trabalho e as técnicas de exercício de trabalho passaram a compor, também por questão previdenciária, o cotidiano das preocupações trabalhistas, contudo, na prática o que se presencia é uma verdadeira ausência de seriedade com estudos de PPRA e PCMSO – gerando um exército de incapazes – talvez o exército de reserva de Marx esteja no fim, não pela inclusão, mas pela alienação física e mental do trabalhador.
Outro avanço importante na busca desse estudo do atingimento da saúde do trabalhador pelo exercício do trabalho é o nexo técnico epidemiológico – meio de buscar o nexo entre eventual doença e o trabalho - por estudo de perfil profissiográfico previdenciário, sendo mais uma forma de prevenção e proteção à saúde.
Como descrito algumas linhas antes, o meio ambiente é o centro das preocupações para que se permita avaliar até que ponto o trabalho influencia a vida do trabalhador, sendo que nesta lógica a própria Constituição tratou de eleger o meio ambiente do trabalho como item que compõe o meio ambiente em geral.
O curioso é que a própria Consolidação das Leis do Trabalho, datada da década de 40, reformulada na década de 70, já se preocupava com essa lógica absolutamente correta, quanto a principal preocupação quanto trabalho em face da saúde do trabalhador, quando enumera - numa lógica coerente de importância dos assuntos – em primeiro lugar os artigos relativos à proteção do local de trabalho, já que inaugura o Capítulo V com o tema: Da Segurança e da Medicina do Trabalho.
Essa é uma ótica correta de preocupação, pois em primeiro lugar deve ser resguardada a saúde física e mental do trabalhador, como um meio de lhe garantir uma higidez mínima que lhe permitirá, talvez em longo prazo, estar incluído numa ótica de trabalho seguro, saudável e por ação.
Veja a esse respeito a mensagem descrita, neste exato sentido, pela comissão que elaborou a referida Consolidação em sua “Exposição de Motivos”, em seus itens 65 e 66:
“65. O regime de Higiene e Segurança do Trabalho, pela revisão efetuada, adquiriu maior eficácia, por força da explicita declaração que constitui formalidade longamente seguida, da exigência de prévia verificação e aprovação das instalações dos estabelecimentos industriais para o respectivo funcionamento.”
“66. Estabeleceu-se, igualmente, a obrigatoriedade do uso, pelos empregados, dos equipamentos de defesa pessoal fornecidos pelos empregadores e aprovados pelas autoridades de Higiene do Trabalho”.(grifos acrescidos)
Não foi sem propósito que mais tarde se promoveu uma intensa e qualitativa reforma do capítulo da medicina e segurança do trabalho, capitaneada pelo Ilustre e eterno mestre Arnaldo Sussekind, culminando em vastas previsões de prevenções de todas as ordens.
Mesmo assim o desenvolvimento jurídico das circunstancias anunciadas somente se tornaram motivo de preocupação muitos anos depois, mais voltada a uma lógica de previsão de despesas pela previdência do que por uma proteção social mais ampla à saúde dos trabalhadores.
Nessa lógica, resta claro que os alienados quanto a seus direitos e benefícios de proteção estarão mais diretamente sujeitos às vicissitudes do trabalho, mais modernamente as psicológicas, daí o estudo das formas mais atuais de adoecimento, decorrentes de assédios, morais e sexuais, horizontais e verticais, todos no ambiente de trabalho.
Quanto menos alienado, portanto, maior as chances do trabalhador se proteger contra os efeitos perversos dessas situações de desrespeito ao meio ambiente do trabalho como um todo.
Aqui a Consolidação das Leis do Trabalho, mais uma vez continua a proteger os trabalhadores que se encontram sob seu manto protetor, agora quanto à saúde e segurança no ambiente do trabalho. Quanto menos pessoas ligadas a essa lógica de proteção, menores as chances de um trabalho de fiscalização e conscientização da classe empregadora.
A pulverização e o arrasto dos trabalhadores para a zona cinzenta tornam cada vez menos efetivas essas normas.

APTIDÃO
Não há dúvida de que o trabalho por ação pressupõe a aptidão do trabalhador para as atividades que desempenha. Referida aptidão pode ser prévia ou mesmo posterior, adquirida no decorrer dos anos de trabalho.
Essa forma de aquisição de aptidão passa necessariamente pelo estudo, acesso a informação e inclusão social. Não se pode pretender trabalhar de forma apta e plena sem uma ampla possibilidade de acesso ao conhecimento daquilo que se está produzindo.
A Constituição Federal foi muito sábia quando trouxe no seu rol de direitos a preocupação com a formação profissional dostrabalhadores e da evolução dos sistemas de produção, que já se anunciavam à época de sua promulgação, trazendo em seu texto a expressa previsão de proteção em face da automação, conforme descrito no artigo 7º, XXVII.
É preciso que o trabalhador enxergue em que meio está inserido e se sinta estimulado a continuar entregando sua energia em prol de um sistema produtivo que tende a retribuí-lo a altura, tornando-o apto a operar referidas máquinas, que se bem analisado tomou seu lugar em parte, se não, em quase todo o sistema produtivo, e o sentimento que paira sobre o trabalhador é perverso para o desenvolvimento de suas aptidões.
Vejamos a passagem abaixo, quando PierreNaville narra bem essa situação, ao dizer que as máquinas aos poucos foram ocupando os lugares dos homens, em parte, na maior parte e em quase toda a parte do trabalho e o sentimento que resta ao trabalhador nestas circunstâncias:
“...Em suma, o trabalhador já não tem relações diretas com o produto e não reconhece claramente a utilidade social de seu ato.”
A máquina dissocia, especialmente num primeiro momento, o homem de sua utilidade, tornando-o exterior ao meio de produção, como se vê na passagem abaixo do mesmo autor:
“Se a máquina, com efeito, do ponto de vista tecnológico, só difere da ferramenta pela complexidade, distingue-se dela, todavia, pela função social e pelas modificações que acarreta à situação de trabalho. Deslocando a unidade da tarefa e da pessoa, a técnica moderna ultrapassa, de certo modo, o ato do operário e tende a constituir um mundo autônomo, que se torna radicalmente exterior a êle.”
Não é simples manter-se interessado e com isso apto as atividades cotidianas, mas é preciso que esse objetivo seja perseguido constantemente, como meio de manter a saúde mental do trabalhador, retirando-o do lugar comum e o estimulando nos seus afazeres diários.
Não podemos confundir, no entanto, aptidão com adestramento, este é um elemento comum, infelizmente, no cotidiano de grande parte dos trabalhadores, pois insere as atividades diárias numa lógica quase completa de alienação, a pessoa que está à frente do sistema produtivo sequer percebe o que faz, qual a razão daquilo que faz, a importância e até o método de se fazer.
O adestramento contribui sobremaneira para o afastamento da aptidão, torna monótono e mecanizado qualquer atividade produtiva. A pessoa não evolui e tão pouco busca formas alternativas e mais produtivas de exercício de suas atividades, está condicionada a fazer a mesma coisa sempre do mesmo jeito.
Nesta perspectiva qualquer mudança no sistema produtivo se torna um fardo insustentável para o adestrado. A palavra pode parecer pejorativa e de fato é, nos remete ao filme tempos modernos, em que o ator principal parece estar inserido em sistema de produçãotão mecanizado, que chega a se confundir com a esteira em que trabalha adestradamente igual todos os dias.
A lei maior neste sentido já nos previne destes males, incentivando a modernização do sistema de produção acompanhada de uma constante atualização dos trabalhadores, conforme acima descrito.
Mais uma vez o direito do trabalho, agora em sua vertente constitucional, protege o trabalhador dessa lógica perversa da rotina e do ostracismo, pois o contrário seria um trabalho cada vez menos humanizado e que cada vez menos incentiva a aptidão, preferindo o adestramento que torna o homem cada vez mais alienado, como se vê na passagem abaixo quando o autor trata da condição moral do trabalho:
“...O trabalho, como já dissemos, é uma atividade específica da espécie humana, inerente à vida humana social e inseparável dela. Onde o progresso técnico suprime toda e qualquer intervenção do homem no sistema de produção, conviria que os diversos idiomas deixassem de usar a palavra correspondente a “trabalho” para designar operações desumanizadas, e forjassem um vocábulo novo.
...
...podemos, a esta altura, perguntar quais são as suas reações mentais à tarefa cotidiana. Quais são suas aptidões (no sentido em que o utiliza a Psicotécnica) para realizá-la, as suas motivações de trabalho, os graus de consciência ou de satisfação profissionais a que êle chega?...”

SEMILAZER
Alguns podem até se perguntar qual seria a relação entre trabalho e lazer para o presente estudo, mas a resposta logo se afigura como de importância extrema, pois o lazer está associado ao trabalho de uma forma intrínseca, pois não há lazer sem um prévio trabalho, não de forma completa e integral.
Afinal, como poderia o homem médio, comum, gozar de um lazer pleno sem ter um trabalho que o sustente, que permita que se sinta inserido, que permita que sinta pleno, que permita, até mesmo, que se sinta merecedor desse momento de júbilo.
JoffreDumazedier, ainda no livro sociologia do trabalho, transparece essas impressões de modo claro e objetivo, pois em pesquisa em onze países da Europa percebeu que ao perguntar sobre lazer às pessoas, que as respostas, em 60% dos casos estavam vinculadas ao trabalho, mesmo que isso não tenha sido direcionado na pergunta:
“...Na realidade vivida, o lazer se define não só em relação às obrigações profissionais, mas também em relação às mais obrigações, familiais ou sociais: o trabalho é mencionado em 60% das respostas à nossa investigação...”
“...as normas da vida social canalizam as iniciativas dos indivíduos; mas o lazer é o direito que assiste ao indivíduo de agir ao seu talante depois de haver-se libertado de todas as obrigações fundamentais: ganhar a vida, assegurar o trabalho doméstico, a educação dos filhos, as obrigações protocolares, os deveres sindicais, políticos, espirituais, etc...”
O mesmo autor nos traz um conceito de lazer a partir de uma vasta pesquisa com quase mil trabalhadores que parece refletir o que se espera efetivamente do lazer, mas que para os dias atuais parece cada vez mais distante da realidade social dos trabalhadores:
“o lazer é o conjunto de ocupações a que o indivíduo pode entregar-se de boa mente, já para descansar, já para se divertir, já para desenvolver a sua participação social voluntária, a sua informação ou a sua formação desinteressada, depois de haver-se libertado de todas as obrigações profissionais, familiais ou sociais.”
O que nos resta perguntar em pleno século XXI é se esse proposito do lazer tem sido alcançado no cotidiano da maioria dos trabalhadores. Por isso, a denominação de semilazer, por parecer ser o que melhor reflete o quadro atual da sociedade trabalhadora.
Há uma verdadeira inversão de valores, pois ao mesmo tempo em que a lei caminha para tentar buscar um ideal de lazer pleno, basta ver o artigo 6º da Constituição Federal, quando insere o lazer como um direito social, a Consolidação das Leis do Trabalho, quando vislumbra uma série de direitos relativos ao repouso, como limite de jornada, descansos semanais remunerados, feriados, férias e o mais, como uma clara intenção de possibilitar de lazer, mas em verdade, referidas previsões não obrigam, elas supõem o lazer,sabe-se que o verdadeiro alcance dependerá de uma série de outros fatores.
Basta ver que as pessoas utilizam seu tempo livre para atividades, geralmente, ligadas às suas profissões, o marceneiro fará pequenos reparos em sua mobília na folga, o pedreiro tentará sistematicamente acabar de construir a sua própria casa, o professor passará horas lendo matérias relacionadas a sua área de concentração, o advogado, o juiz, o procurador, utilizarão o tempo livre para orientar amigos e parentes, cursar um mestrado ou doutorado, tentar terminar um trabalho ainda por completar, e tudo isso quando? Nos períodos de não trabalho oficial, que deveriam ser dedicados ao lazer pleno.
Não há lazer pleno sem uma completa desconexão com o trabalho. Até nas pequenas coisas percebe-se a influência do trabalho a comprometer o lazer, até mesmo no contato com os amigos de trabalho, as conversas nos churrascos e demais momentos de confraternização, que deveriam ser totalmente voltados ao lazer, se tornam ambientes propícios a se conversar e reviver o trabalho.
Como possibilitar este pleno lazer as classes mais humildes de trabalhadores, senão através de proibições expressas de situações que o retirem do pressuposto – lembre-se que são somente pressupostos, pois o completo lazer depende de muitos outros fatores – como de jornadas extraordinárias excessivas, ausência de repouso semanal, de descanso mínimo entre jornadas, de prestação de outros serviços durante as férias, dentre diversas outras previsões, que sem sombra de dúvidas vieram para privilegiar o afastamento do empregado de suas atribuições trabalhistas cotidianas.
Então, no que parece ser uma fórmula mágica, as pessoas começam a comprometer os ambientes de lazer, com teletrabalhos, como se instalar na casa das pessoas postos de trabalho – como ocorre com as empresas de telemarketing, as quais instalam “PA´s” (Postos de atendimentos) nas casas dos operadores –numa falácia de solução de mobilidade urbana. O que se tem em verdade é o comprometimento do lugar mais sagrado para o descanso do trabalhador, o seu lar.
Não me parece razoável que essa situação possa ser aceita pelo direito, e há muito mais envolvido nisso, como riscos ambientais, ocupacionais, transferência de risco do empreendimento, de despesas empresariais, todas embutidas numa falsa melhoria de mobilidade.
É o que temos para hoje, um lazer mitigado, pessoas que trabalham em jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, ao arrepio da previsão máxima constitucional de oito horas, sob argumento de melhoria do tempo de descanso, quando na realidade a imensa maioria delas terá um segundo emprego nas trinta e seis horas que deveriam ser destinadas ao lazer e passam, cotidianamente, a trabalhar doze horas por dia, sete dias por semana.
É o semilazer em suas várias formas, cada dia mais e mais, impedindo o trabalhador de desenvolver suas habilidades externas, proteger seu organismo, sua saúde mental, de forma que o torne cada vez menos apto e inversamente proporcional, cada vez mais alienado.
São várias as funções do lazer, e passagem abaixo deixa claro a ausência de completude dessas funções nos leva ao que acima foi descrito, quanto a impossibilidade de melhoria do trabalhador como um todo:
“Vem, afinal, a função de desenvolvimento da personalidade. Ela liberta do habito que tende a limitar os gestos, os comportamentos, as idéias cotidianas e automatismos e estereótipos. Enseja uma participação social mais ampla, mais livre, e uma cultura mais desinteressada do corpo e do espírito. Oferece novas possibilidades de integração voluntária da vida de agrupamentos recreativos, culturais, sociais. Permite completar livremente os conhecimentos afetivo ou intelectuais, cultivar as aptidões, adquiridas na mocidade, mas constantemente ultrapassadas pela evolução contínua e complexa da sociedade. Incita a dotar atitudes ativas, no emprego das diferentes fontes de informação tradicionais ou modernas(imprensa, cinema, rádio, televisão), espontâneas ou organizadas. Cria novas formas de aprendizagem (“learning”), espontânea ou voluntária, ao longo de toda a vida. Produz comportamentos inovadores e criadores no tempo livre. Ministra a todos os trabalhadores a possibilidade de um tempo novo para a contemplação, a ação desinteressada ou a criação livre. Em certas condições, suscita, no indivíduo libertado das obrigações profissionais, disciplinas escolhidas que visem ao completo desabrochar da personalidade, num estilo de vida pessoal e social.”
O direito, com todas as falhas que se possa apontar, parece estar fazendo sua parte, cabendo, agora, aos intérpretes efetivar esse propósito. E mais, se assim estão os protegidos pelo manto da lei trabalhista, como não estarão os trabalhadores à margem, os autônomos, cooperados, terceirizados, “pejotizados”, dentre outros, em situação análoga de desproteção social?
Mais uma vez o trabalho aliena, por falta de uma perspectiva mais efetiva dos direitos fundamentais do trabalhador.
DESENVOLVER A CONSCIÊNCIA DE SI E DO PRÓXIMO
É essencial o conhecimento da importância daquilo que faz para si e para a sociedade. O trabalhador, em certa medida, parece ter perdido a noção de sua importância no sistema produtivo e daquilo que produz, numa lógica que parece mais aliená-lo do que inseri-lo.
A legislação busca reinserir essa lógica no mundo do trabalho, trazendo o trabalhador para um senso de realidade, foi assim que implementou a participação nas comissões de fábrica, artigo 11 da Constituição Federal e em certa media a participação nos lucros, que permite avaliar a impressão que o mercado tem daquilo que é produzido e da mesma forma, ao se dar conta de que aquilo que produz é efetivamente importante, participar dos frutos do trabalho e participando desses frutos desenvolver a consciência de si.
A filosofia ajudou e muito a desenvolver a importância do homem no seio social e por consequência no trabalho, o que pode ter como marco a revolução francesa, a qual busca retirar a religião do centro das preocupações, e realocar o homem nesse centro, ao que se convencionou chamar de antropocentrismo.
Os professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera dão ainda um norte mais importante a esse vertente, na obra O Capitalismo Humanista, ao realocar o homem e todos os homens no centro difuso das preocupações, ao que chamaram de antropolifismo, como se vê nas passagens abaixo:
“....Na mesma linha e citando Maritain, o papa Paulo VI exige que seja assegurado o humanismo integral, capaz de situar o “homem e todos os homens”, o que significa que é abrangente e alcança tanto a existência humana quanto sua essência....”
“Paulo VI ensina: “O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se”. Há, então, outro humanismo, uma vida mais adequada, um humanismo fraterno, inclusivo, evolucionista e emancipador que proclama a concretização multidimensional dos direitos humanos e que não é teocêntrico, embora tenha, em razão de sua proposta, Jesus Cristo como a grande referencia – por isso, obviamente, não sendo antropocêntrico: é o humanismo antropofilíaco, que não é o teocêntrico e muito menos antropocêntrico. Antropofilíaco porque, sob a perspectiva cultural cristã, os homens, mais do que iguais, são irmãos, habitando-se e nutrindo-se do planeta.”
Resta claro que não se pode privilegiar outra coisa que não o ser humano, embora isso pareça ter ficado esquecido tanto pelo capital quanto pelo trabalho. O próprio trabalhador não realiza a importância de sua inserção na roda da vida e menos ainda percebe o próximo.
Quantas profissões sequer são percebidas pela população em geral, só como exemplo, os faxineiros, os vigias, os expositores de cartazes em ruas e avenidas, dentre tantos outros, com os quais cruzamos todos os dias e sequer nos damos conta de que ali estão, e que são seres humanos, prestando seus serviços para o bem de outros seres humanos.
Com isso, nós os alienamos e na mesma sintonia eles próprios se alienam, numa lógica que nem precisa chegar à discriminação por seus pares, pois se auto discriminam.
A solidariedade, fruto da revolução francesa, numa terceira dimensão de direitos vem justamente buscar implementar no comportamento humano a busca pela preocupação dos homens consigo mesmos e com o próximo.
Neste sentido o trabalho deveria ser um prazer constante, que se adeque as suas condições e que o coloque em um patamar de importância e relevância em que cada um perceba sua importância para esse planeta e a importância do próximo, neste sentido Felice Battaglia:
“É este exatamente o sonho de Fourier: tornar o trabalho verdadeiramente uma festa. Que cada um busque o trabalho que mais lhe agrade porque mais conforme às suas disposições físicas e intelectuais, por um tempo não excessivamente longo; que mude o gênero do trabalho, confortando-o com a beleza dos locais em que êle tenha de se realizar; que solicite o espirito com a emulação que empenha o amor-próprio: podere-se-á então realizar o milagre!”
A busca deve ser plena, tanto do respeito de um pelo outro, do empregador pelo empregado, quanto pelos empregados entre si e até mesmo de cada um em relação a si próprio.
O lugar perfeito para essa harmonia de forma mais ampla e plena é no ambiente do trabalho, onde as classes se encontram e podem encontrar um campo fértil para se perceberem mutuamente e com isso possibilitar a prosperidade da humanidade.

CONCLUSÃO
O trabalho, mesmo diante de tantas evoluções sociais, no campo da proteção de todas as naturezas, ainda é um fator de grande impacto na vida do trabalhador.
Como o trabalho povoa a vida de quase a totalidade da população, especialmente a relação de emprego, como no Brasil, a preocupação é contínua e incessante.
Diante do cenário que se apresenta, ainda hoje, o direito do trabalho, composto principalmente pelas leis trabalhistas de ordem impositiva, representa um importante contraponto aos abusos e desmandos do mundo do trabalho.
Com essa intervenção o Estado permite a contenção de um desmando ainda maior nas relações do trabalho.
Pode parecer retrogrado ainda precisar dessa intervenção, mas o outro caminho é deixar que as próprias partes resolvam seus destinos, para o que, infelizmente, nosso país não parece estar preparado para conceber, nem mesmo por intermédio de sindicatos.
Os sindicatos, que teriam um papel fundamental nessa construção autônoma dos direitos e deveres recíprocos, não está preparado para tanto, talvez o sistema da unicidade impeça um desenvolvimento mais sério daquilo que se conhece por representatividade, que é a representação de fato das categorias econômicas, mas principalmente das profissionais.
Assim, o trabalho ainda coage, por diversos caminhos, de forma moral, física, social, financeira e mantém o trabalhador alienado em diversos aspectos, desde a importância de seu trabalho para o seu próprio desenvolvimento, até para o desenvolvimento social, para um lazer que o permita perceber a si próprio e ao seu próximo.
Se permitirmos que o direito do trabalho deixe de tutelar as relações de emprego, principalmente, o cenário que se anuncia será ainda pior, o exemplo já pode ser sentido pelos trabalhos cooperados, “pejotizados” e até pelos terceirizados.
O patamar mínimo de civilidade imposto pela Constituição e demais leis infraconstitucionais de direito do trabalho permite observar um horizonte de proteção que crie um ambiente saudável para a evolução social dos trabalhadores.
Contudo, sozinha a lei não pode resolver tudo, como diria Mauro Cappellette não precisamos de boas leis, precisamos é de bons homens, que saibam interpretar a lei e lhe entregar uma teleologia que seja condigna com os desígnios da evolução humana.
Como diria Piero Calamandrei, o veneno em pequenas doses pode até ser medicinal, mas a injustiça, ainda que em doses homeopáticas é letal.
Aguardemos atentos o futuro que os interpretes do direito, e em especial do direito do trabalho, trarão para as futuras gerações, pois o presente herdamos dos antepassados que com muito empenho e sacrifícios inimagináveis chegaram a um grau de evolução que se comparado com algumas décadas já pode ser tida como imenso.
Muito ainda há por ser feito, e a classe de trabalhadores, a grande massa pelo menos, aguarda ansiosa pelas construções que os juristas elaborarão para regência de seus futuros.












BIBLIOGRAFIA

Balera, Wagner; Sayeg, Ricardo – O capitalismo humanista – Petropolis, KBR – 2011;
Battaglia, Felice – Filosofia do Trabalho – Editora Saraiva – 1958;
Calamandrei, Piero – Eles, os juízes, visto por um advogado – Martins Fontes, São Paulo 2000;
Consolidação das Leis do Trabalho – Ltr, 2011 – 38ª edição;
J. Sandel, Michael, Justiça – O que é fazer a coisa certa, Editora Civilização Brasileira, 2012 – 8ª edição Tradução de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo;
Naville, Pierre; Friedmann, Georges – Tratado de Sociologia do Trabalho – volume I, Cultrix, 1962 – Tradução de Octavio Mendes Cajado;
Naville, Pierre; Friedmann, Georges – Tratado de Sociologia do Trabalho – volume II, Cultrix, 1962 – Tradução de Octavio Mendes Cajado;
Neves, Ricardo Oliveira – O novo mundo digital – e-book;
Ramalho, Maria do Rosário Palma – Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho – coleção Teses – Almedina, 2000;
Vademecum Saraiva – 13º edição – 2012 – Editora Saraiva;

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