quarta-feira, 11 de junho de 2014

Monitoramente de e-mail de trabalhador

Caros leitores,
Segue um ensaio sobre monitoramene de e-mail no ambiente de trabalho que fiz há poucos dias.

MONITORAMENTO DE E-MAIL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Mauricio Pereira Simões

1. Análise introdutória

O tema pode ter uma análise simplesmente positivista, a partir da ideia de inexistência de previsão legal específica que vede tal prática, ou pode fazer um corte epistemológico a partir dos direitos fundamentais e sua aplicação ao direito do trabalho, protegendo a dignidade humana e a privacidade.
Naturalmente que uma análise meramente positivista não faria qualquer sentido no desenvolvimento do trabalho, pois reduziria a privacidade e a intimidade a uma mera circunstância ocasional: a ausência de lei trabalhista específica que vede tal atitude.
O monitoramento de e-mail no ambiente de trabalho pode levar a sérias afrontas a direitos mínimos do trabalhador.
O direito do trabalho pautado na Consolidação das Leis do Trabalho e demais normas esparsas não teria como, em sua origem, ter previsto este tipo de atividade no ambiente do trabalho. Uma lei específica poderia resolver o problema, bastando que o legislador proibisse, ou até mesmo se fosse o caso, permitisse com restrições o monitoramento de e-mails de empregados, o que traria a um só tempo segurança jurídica no tratamento da matéria e um senso maior de responsabilidade por parte de quem pretendesse violar o direito a inviolabilidade da correspondência eletrônica.
A intimidade e privacidade são traços da personalidade tal qual o nome, a honra, a imagem, a voz, e por isso segue o mesmo caminho quanto a máxima proteção a sua incolumidade.
A pretensão desse ensaio é demonstrar, justamente, a partir da perspectiva da personalidade, a possibilidade de construções legais e teóricas acerca da proteção do sigilo do e-mail.
Assim, a análise será primeiramente positivista integradora e em seguida humanista a partir do pós-positivismo para chegar a uma conclusão que demonstre a clara possibilidade de proteção ao e-mail do trabalhador contra as investidas desmedidas do empregador.

2. Análise positivista

A Constituição da República Federativa do Brasil descreve de forma inequívoca a proteção tanto a intimidade quanto a privacidade conforme artigo 5º:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;” (grifos acrescidos)

Ao adotar a interpretação histórica e evolutiva, de forma sistemática, ou seja, interpretar a mes legis e mens legislatoris em um sistema integrado da Constituição Federal e leis trabalhistas já poderíamos concluir de forma inequívoca a vedação ao monitoramento de e-mails.
A norma constitucional de 1988 veda a violação do sigilo da correspondência, claramente pensando na década de oitenta na correspondência física, na carta, dentre outras formas físicas de entrega de correspondência, sendo essa a mens legislatoris.
Atualmente a mens legis pode ser entendida a partir de uma evolução histórica e social, tratando a condição de forma contemporânea para estender a proteção para as correspondências eletrônicas como é o caso do e-mail.
Embora o direito do trabalho goze de plena autonomia dogmática não é um ramo estranho e distante dos demais, ao contrário, faz parte do sistema jurídico e como tal se comunica indubitavelmente com os demais ramos. Quando o assunto é integração com a Constituição a interdisciplinaridade é ainda mais certa e extensa. A nova ordem constitucional instaurada com a Carta de 1988 implica em releitura e readequação das normas infraconstitucionais que tenham sido recepcionadas.
A recepção da Consolidação das Leis do Trabalho é certa, mas isso não implica dizer que tenha a mesma forma de aplicação de seus institutos do período anterior à nova ordem social inaugurada pela assembleia nacional constituinte de 1987 e 1988. O poder organizacional passa a ser relido com as limitações constitucionais, neste sentido poderia ser interpretada a possibilidade de fiscalização de e-mail, sem direito a fazê-lo por parte do empregador.
Poderíamos somar a essa interpretação sistemática a aplicação do novo Código Civil, que será matéria de análise posterior, como norma de direito fundamental de primeira geração e sua vinculação negativa.

3. Perspectiva jurisprudencial

Os tribunais, inclusive os superiores, por seu turno, fazem uma análise menos direta da dicção do artigo 5º, XII da Constituição Federal quando da aplicação à proteção dos e-mails, pois não fazem a análise a partir do direito a não violação do sigilo da correspondência, mas sim colocando em foco a proteção da intimidade. Para o leigo essa estratégia das cortes superiores poderia sinalizar a mesma proteção ampla ao trabalhador, mas não é o que ocorre.
Ao dizer que protege a intimidade e a privacidade do trabalhador o intérprete acaba por possibilitar a divisão do que seja a invasão de privacidade e afronta a intimidade e o que de fato não seja.
Neste sentido o artigo 5º X da Constituição Federal:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Ao fixar que o e-mail é pessoal o intérprete protege seu conteúdo contra as ingerências do empregador tornando impossível seu monitoramento pois ao pretender fazê-lo o empregador estaria violando a intimidade e a privacidade do trabalhador.
De outro lado, ao fixar que o e-mail é corporativo o intérprete estabeleceria que esse e-mail não é pessoal, mas sim uma ferramenta de trabalho, ou seja, o monitoramento de um e-mail corporativo não geraria qualquer afronta a intimidade ou privacidade do trabalhador, já que estaria fiscalizando o uso de uma ferramenta.
A proteção efetiva só seria garantia ao e-mail pessoal não ao e-mail corporativo, observadas algumas normas para sua regulação, tais como a informação de que seria uma ferramenta, de que poderia haver fiscalização, a orientação para uso profissional somente, fiscalização não discriminatória de todos os trabalhadores, dentre outros, de forma expressa, escrita e inequívoca.
Neste o sentido o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região a seguir não deixa dúvidas quanto a adoção da divisão em proteção a intimidade ou ao sigilo da correspondência, seguindo a mesma linha dos tribunais superiores:

“EMENTA: RESOLUÇÃO CONTRATUAL. SISTEMA DE COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA. ENVIO DE FOTOS PRONOGRÁFICAS. SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA. QUEBRA. INOCORRÊNCIA. Se o e-mail é concedido pelo empregador para o exercício das atividades laborais, não há como equipará-lo às correspondências postais e telefônicas, objetos da tutela constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XII, da CF. Tratando-se de ferramenta de trabalho, e não de benefício contratual indireto, o acesso ao correio eletrônico não se qualifica como espaço eminentemente privado, insuscetível de controle por parte do empregador, titular do poder diretivo e proprietário dos equipamentos e sistemas operados. Por isso o rastreamento do sistema de provisão de acesso à internet, como forma de identificar o responsável pelo envio de fotos pornográficas a partir dos equipamentos da empresa, não denota quebra de sigilo de correspondência (art. 5º, inciso XII, da CF), igualmente não desqualificando a prova assim obtida (art. 5º, inciso LVI, da CF), nulificando a justa causa aplicada (CLT, art. 482)”. (TRT-DF-RO 0504/2002)- Acórdão 3º Turma).”

Outra forma de analisar o problema seria sob a ótica dos direitos fundamentais, conforme se verá a seguir, e passar a dar ao princípio caráter normativo concorrente, fazendo um confronto entre o poder diretivo e o princípio da dignidade da pessoa humana que envolve o direito a privacidade, proteção da intimidade e o sigilo da correspondência.

4. Análise pós-positivista na proteção do e-mail

A construção é teórica mas tem um apelo prático imediato, diante da iminência de afronta a um direito fundamental, embora não possa prescindir de uma construção teórica base que dê sustento a tese.
Como sugere Robert Alexy em seu livro sobre direitos fundamentais são teorias que levam a uma teoria, ou seja, diversos estudos sobre o mesmo tema que levam a uma base mais sólida para uma teoria única, a qual chama de integradora.
Chegar a um consenso de teoria integradora para a proteção do sigilo dos e-mails, mesmo no local de trabalho, é algo bastante ambicioso em uma sociedade que prima pela máxima exposição pelos meios eletrônicos.
Como sugere o autor alemão, a ideia é evitar a mixórdia de muitas teses e buscar a construção inversa, uma teoria que tenha um sustento teórico suficientemente forte para convencer o leitor e demonstrar cientificidade no caminho percorrido, como se lê na passagem abaixo:

“A ideia de uma teoria integradora está sujeita a dois tipos de incompreensões. O primeiro sugere que o postulado de integração conduziria a uma enorme mixórdia. O que se pretende é exatamente o contrário: um sistema de enunciados gerais de direitos fundamentais, corretos ou verdadeiros, ordenados da forma mais clara possível. O segundo tipo de incompreensão sugere que o programa integrativo exige demais da teorização dos direitos fundamentais, fazendo com que toda teoria dos direitos fundamentais pareça insuficiente ou sem valor se, mesmo que verdadeira ou correta, ela não for ampla.”

A clareza do autor em busca de uma cientificidade para justificar a teoria integradora dos direitos fundamentais é um norte para que os estudos acerca dos direitos fundamentais aplicados ao direito do trabalho, na vertente da proteção ao sigilo da correspondência eletrônica, possa também integrar várias teorias, sem correr o risco de se tornar um descrédito ou mesmo sem valor prático.
A origem dos direitos fundamentais passa pela análise de sua contextualização histórica e pelo estudo das constituições modernas que catalogaram os direitos fundamentais de forma sistemática.
Nossa Constituição Federal tem catalogado o rol de preceitos eleitos para serem direitos fundamentais com intuito que se tenha uma noção introdutória que sirva de base.
É imperioso notar que houve um momento histórico de constitucionalização dos direitos sociais, mas que não se confunde com a inserção dos direitos fundamentais nas constituições.
Em certo momento historio passamos por uma pressão social para que houvesse uma incorporação de direitos de segunda geração como direitos constitucionais, que eram os direitos sociais, trabalhistas e assistenciais.
Os direitos sociais não traziam a efetividade social dos direitos fundamentais, e sequer poderiam tê-lo feito, e isso não significa algo ruim, pois não se pode ter um olhar anacrônico para os avanços históricos de proteção ao ser humano.
Assim, a constitucionalização dos direitos sociais já representou um avanço, mas não se pode confundi-lo com a catalogação dos direitos fundamentais, que virá mais tarde na história.
A catalogação dos direitos sociais e trabalhistas serviu de base para a construção da teoria dos direitos fundamentais, pois esses direitos se tornaram fundamentais na teorização que se busca demonstrar a seguir quando a história avançar na intensidade da proteção.
A declaração do Estado da Virginia e a Declaração Francesa são os documentos que deram origem ao que se conhece hoje por direitos fundamentais, respectivamente em 1777 e 1789, numa lógica negativa, de direitos de primeira geração, pois a ideia era manter as liberdades sem que o Estado as afrontassem.
José Afonso da Silva em seu “Curso de Direito Constitucional Positivo” trata dos direitos sociais sob a perspectiva positivista, sem nenhuma concepção pós-positivista do tema.
A Constituição Alemã foi a primeira a adotar os direitos sociais como normas vinculantes sob a perspectiva pós-positivista. Nessa fase pós-positivista os direitos sociais passaram a ser tratados como direitos fundamentais com eficácia normativa e vinculativa ao Poder Público.
Numa perspectiva universalista seriam os direitos humanos, mas limitados quando catalogados em certo Estado ou Constituição. Por isso, direitos fundamentais seriam os direitos constitucionalmente garantidos, internamente ou por influencia dos tratados internacionais sobre direitos humanos quando internalizados com caráter constitucional e passando a compor o catalogo dos direitos fundamentais.
Assim, se lê o catalogo de direitos fundamentais na ordem interna.
O Brasil elegeu seu rol de direitos fundamentais a partir do Capítulo II do Título I da Constituição Federal, observando a possibilidade de outros previstos na própria Constituição ou direto de tratados internacionais e que guardem correlação com o catalogo, a teor do paragrafo 2º do artigo 5º.

“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (grifos acrescidos)

Como a eficácia é o gênero da efetividade podemos dizer que esta decorre daquela.
Nesse sentido é preciso que os direitos fundamentais tenham a máxima aplicabilidade, por isso dar eficácia significa preencher seus critérios em busca da efetividade.
As constituições de Portugal e Espanha falam expressamente sobre a vinculação do Estado e dos particulares aos direitos fundamentais.
Vejamos a título de exemplo a passagem expressada no artigo 18 da Constituição da República Portuguesa:

“Artigo 18.º (Força jurídica): 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

Em certa medida a vinculação negativa aos direitos fundamentais por parte do Estado está ligada à ideia de que os direitos fundamentais, como direitos do homem, são direitos de natureza humana, dentro da visão jusnaturalista, conforme já descrito, mas especialmente ligada ao estudo de Jacques Maritain, na obra em que questiona o papel do Estado perante os homens e talvez em uma de suas mais importantes obras quanto ao “Humanismo Integral” isso fique ainda mais claro, especialmente quanto a influência antropocêntrica no papel do Poder do Estado.
Nos dizeres do artigo 5ª parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, as normas definidoras de direitos fundamentais tem aplicação imediata, conforme vemos:

“Art. 5.º...
......
§ 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata,”

Assim parte substancial da doutrina entende que o parágrafo do citado artigo traz um mandamento de otimização, razão pela qual os direitos fundamentais devem ser concretizados com a máxima efetividade jurídica.
Nesse sentido não há divergência na doutrina quanto à eficácia vertical dos direitos fundamentais, mesmo que se possa dizer que haja uma discussão sobre o alcance da palavra Estado, quando da vinculação aos direitos fundamentais.
Logo após o estudo do papel do Estado, tanto no que tange à sua vinculação negativa, quanto sua vinculação positiva, em todos os ramos dos poderes do Estado, vejamos o papel dos particulares.
Aqui começa a se delinear a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Partimos da ideia de verticalidade, ou seja, o Estado de cima para baixo, na lógica dos direitos fundamentais, nas duas vertentes: negativa e positiva, ou seja, o respeito aos direitos fundamentais em uma vinculação de não afronta a direitos fundamentais e a vinculação na implementação positiva desses direitos.
O transporte para as relações entre particulares ainda sofre muitas restrições e certa resistência por parte do doutrina, mais ainda quando se fala em dimensão positiva.
Por tudo isso é de suma importância que se delimite a eficácia horizontal partindo dos mesmos pressupostos, sua dimensão negativa e sua dimensão positiva.
O certo é que a eficácia horizontal é uma realidade atual e reclama o respeito entre particulares quanto aos direitos fundamentais.
O próprio Código Civil Constitucionalizado implementa um sistema de regulação de direitos fundamentais, numa regulação infraconstitucional dos direitos fundamentais descritos no rol constitucional pelo legislador constituinte, quando estabelece cláusulas gerais ou janelas abertas em matéria de boa-fé, função social, dentre outras vertentes.
Dentro do estudo de direito fundamental nas relações privadas há que se analisar, a partir de agora, a dimensão positiva ou negativa, direta ou indireta, mediata ou imediata, a depender da nomenclatura adotada, em relação à exigência de atitudes de mero respeito - não ofender os direitos fundamentais, ou as atitudes de implementação de direitos - atuações positivas na implementação desses mesmos direitos.
Inegável que há uma naturalidade nas relações de trabalho para a aplicação dos direitos fundamentais em razão do poder de direção do empregador, logo a empresa exerce um poder social nas relações de trabalho, o que acarreta um risco grande de violação aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Independente e antes mesmo de ser um trabalhador a pessoa é um cidadão. Importante referida reflexão, pois o trabalhador não deixa de ser cidadão ao se tornar também um ser produtivo no mercado de trabalho. O acesso aos direitos civis, portanto, continuam intactos.
No pós-positivismo os trabalhadores nas relações laborais devem conservar os direitos de cidadania, pois sob o ponto de vista meramente positivista os direitos fundamentais de cidadania não eram considerados existentes nas relações especificas de trabalho.
Resta clara a interface entre os direitos sociais e os direitos coletivos, cabendo destaque à participação nos lucros ou resultados da empresa, tal normativa constitucional envolve os direitos de informação e os direitos coletivos dos trabalhadores de participação na gestão da empresa, com distribuição de ganhos para a comunidade dos trabalhadores envolvidos.
A autora portuguesa Teresa Alexandra Coelho Moreira fala sobre a Alemanha e diz que naquele país há o dever de assistência por parte do empregador (que traz uma carga negativa de respeito aos direitos fundamentais pelo empregador) e uma série de direitos acessórios de conduta.
No direito italiano a proteção aos direitos fundamentais é feita de forma expressa

“Titolo I
Della libertá e dingitá del lavoratore
Art. 1 Libertá de opinione: “I lavoratori, senza distinzione di opinioni politiche, sindacali e di fede religiosa, hanno diritto, nei luoghi dove prestano la loro opera, di manifestare liberamente il proprio pensiero, nel rispetto dei principi della Costituzione e delle norme della presente legge”.

Segundo posicionamento de Renato Rua de Almeida o Estado por muitas vezes faz a implementação dos direitos fundamentais por meio de leis.
Essa é a mesma posição de grande parte da doutrina pós-positivista que entende que o cidadão tem o direito de ver o Estado legislando e viabilizando a aplicação dos direitos fundamentais entre os particulares.
José João Abrantes fala sobre a cidadania nas empresas, sendo que o trabalhador não deixa de ser cidadão quando ingressa no local de trabalho e nesse sentido evolui para tratar de direitos específicos e inespecíficos dos trabalhadores a partir da ótica da dimensão dos direitos fundamentais.
O autor português apresenta estudos em direitos específicos como os de segunda dimensão e os inespecíficos, os de primeira dimensão, que englobaria os direitos de informação, presunção de inocência, ampla defesa, contraditório, liberdade de expressão, integridade física, intimidade, proteção à vigilância, confidencialidade de mensagens.
No que tange ao direito português esses direitos já são específicos dos empregados, pois previstos no Código de Trabalho Português de 2009.
Assim dispõe o artigo especifico do Código de Trabalho Português abaixo transcrito:

“Subsecção II
Direitos da personalidade.
Artigo 14.º
Liberdade de expressão e de opinião. É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa.”

E na mesma linha seguem os artigos dezesseis quando trata da reserva da intimidade da vida privada, o dezessete quanto fala da proteção de dados pessoais, o vinte e dois quanto a confidencialidade das mensagens, dentre diversos outras previsões expressas na subseção do Código em comento, deixando clara a regulação especifica dos direitos da personalidade, e assim de cidadania, no direito do trabalho lusitano.
Não há dúvida quanto ao tratamento especifico pelo Código de Trabalho de Portugal quanto aos direitos da cidadania e, por conseguinte, fundamentais dos trabalhadores.
Qual a razão para se categorizar tais direitos como inespecíficos no Brasil?
A resposta está na análise sistemática dos ordenamentos, pois a Constituição Federal tratou desses direitos de cidadania nos artigos quinto e sétimo, mas não há regulação infraconstitucional específica na seara trabalhista.
Ao consultar a Consolidação das Leis do Trabalho e as leis esparsas relacionadas a esse ramo não se vê uma sistematização efetiva desses direitos de cidadania voltada aos trabalhadores. Poderá haver, eventualmente, uma ou outra referência, mas nada que possa se comparar a regulação portuguesa.
Exemplo de tratamento sútil neste sentido é o do artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, quando trata da não discriminação:

“Art. 5º - A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.”

Valioso para a época, importante para o desenvolvimento da dignidade, mas insuficiente para reger a cidadania em toda sua inteireza.
De outro lado, o Código Civil de 2002 que é o direito civil constitucionalizado, prescreve quais são considerados direitos mínimos de todo cidadão, tais como a personalidade, a boa-fé, os deveres anexos – são todos direitos de cidadania – os quais se irradiam e podem também se aplicar ao direito do trabalho.
Assim se pode fazer uma leitura dos direitos fundamentais à luz das cláusulas gerais e janelas abertas do novo Código Civil.
Devemos lembrar que no nosso ordenamento constitucional o catálogo de direitos fundamentais está estabelecido de forma expressa na Constituição em capítulo próprio, além de outros decorrentes de princípios da própria Constituição.
Não pode, assim, a lei infraconstitucional criar direitos fundamentais, mas pode organizar e regulamentar os previstos na Constituição Federal.
E por meio do catálogo constitucional de direitos fundamentais o Código Civil criou forma de buscar a máxima efetividade.
Referido tratamento também é aplicável a outros ramos como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual é o estatuto dos trabalhadores, que admite a aplicação do direito civil constitucionalizado de forma inespecífica à medida que estes não perdem sua condição de cidadão por serem também trabalhadores, ao contrário, tornam isso ainda mais evidente.
Nesse sentido o artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.” (grifos acrescidos)

Assim, não se pode dizer que há uma carga imediata de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, devendo existir uma completude no sistema por meio da intervenção do Estado, seja por meio do Código Civil de 2002 ou por meio de atuação jurisdicional, sendo esta última forma menos pacifica.
Há uma forma intermediária de conjugação das formas, que será o Judiciário integrando a norma do direito civil ao direito do trabalho por intermédio da previsão expressa dessa hipótese no citado artigo oitavo consolidado.
Assim é possível afirmar que os direitos fundamentais de primeira geração não precisam de regulamentação, admitindo a aplicação imediata.
Os direitos de primeira geração, como vistos acima, são os direitos civis, de forma especifica ao direito civil ou inespecífica ao direito do trabalho.

Conclusão

A proteção ao sigilo do e-mail do empregado pode partir de uma leitura histórica e evolutiva do sistema, para dizer que a Constituição Federal em seu artigo 5º, XII serve a esse propósito, quando diz expressamente que as correspondências são invioláveis, incluindo a correspondência eletrônica. Seria o caminho mais natural e simples de proteção a esse direito da personalidade.
Não haveria espaços para manobras, seria inválida a distinção entre e-mail corporativo e pessoal com fins a gerar a autorização, ainda que restrita, de fiscalização do e-mail do trabalhador.
Acaso superada a conclusão pelo viés positivista integrador, ainda que sob o parco argumento de que não há lei específica para a proteção desse e-mail, o caminho seria adotar a teoria pós-positivista.
Por essa linha de análise seria viável afirmar que os direitos laborais inespecíficos advindos do Código Civil, pela via das janelas abertas ou cláusulas gerais, se aplica ao trabalhador, que não deixa de ser cidadão ao se tornar empregado, ao contrário, reforça essa condição, por isso é chamado de trabalhador-cidadão.
Por essa via inespecífica a intimidade e a privacidade como corolários do princípio constitucional da dignidade humana teriam força normativa de forma que afrontar esses princípios seria o mesmo que afrontar ao mesmo tempo uma lei e um princípio.
O resultado prático seria a vedação absoluta a qualquer forma de monitoramento de e-mail, uma vez que o poder de fiscalização estaria limitado pelo princípio constitucional da dignidade, na vertente proteção à intimidade e privacidade com o resguardo do sigilo da correspondência eletrônica.







BIBLIOGRAFIA

ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução Virgílio Afonso da Silva, 2ª edição, 2ª tiragem, Editora Malheiros – São Paulo – 2012.
ALMEIDA, Renato Rua de. Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Aula ministrada em 06 de setembro de 2013, no crédito para mestrandos em Direito sob o título: Efetividade dos Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho.
ANDRADE, José Carlos Vieira. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Editora Almedina – 5ª edição – 2012
BELTRAN, Ari Possidonio. Direito do trabalho e direitos fundamentais. São Paulo: Editora LTr, 2002.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 5ª Edição – 2ª tiragem, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 10ª Edição, 2006.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr – Volume I – Parte I, 2011.
MARITAIN, Jacques – Humanismo Integral. Tradução: Afrânio Coutinho. Quinta edição – Companhia Editora Nacional – São Paulo. 1965.
MEIRELES, Edilton. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Contratuais – O Dever de Contratar os Direitos Fundamentais. Revista LTr – São Paulo, Fevereiro de 2013 – vl. 77, nº 2, páginas 161-166.
MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra Editora. Studia Iuridica 78, ano 2004.
PIOVESAN, Flávia – Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade Humana – Revista do Advogado – Associação dos Advogados de São Paulo, março de 2003 – páginas 34 a 42 – São Paulo;
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Método, 32ª Edição, 2008.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2ª Edição, 2001.
Consolidação das leis do trabalho comentada. 38ª ed. São Paulo: Ed. LTr, 2011.
Vademecum. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
Revista da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região – Bahia – edição eletrônica – Ano II, número III – Outubro de 2013, página 143.
http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx.
http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1978-31229;
http://www.trtsp.jus.br/leg-cltdin-indice;
http://www.trtsp.jus.br/legislacao/constituicao-federal-emendas
http://www.trtsp.jus.br/legislacao/leis-decretos-e-codigos

Nenhum comentário:

Postar um comentário