domingo, 25 de maio de 2014

Liquidação Extrajudicial


Estamos a tratar muito mais de um instituto ligado ao direito comercial, do que o direito do trabalho ou processo do trabalho, contudo, pela relevância do tema e pela repercussão que pode ter dentro das lides trabalhistas, em especial, como veremos, em relação aos juros, coerente que se inicie o estudo justamente pela vertente do direito comercial.
Muita confusão se faz entre a liquidação extrajudicial e a falência, considerada a nomenclatura para fins didáticos.
E, na verdade, os institutos estão interligados pela mesma ideia de insolvência, somente havendo certa alteração em relação à espécie de pessoas jurídicas que podem seguir o procedimento da liquidação extrajudicial.
A liquidação está ligada a ideia de intervenção estatal no domínio econômico, ou melhor, na ordem econômica, que se configura como uma forma de extinção de determinada empresa a partir da determinação pelo Estado, de ofício, ou a requerimento da própria empresa, sempre que se perceber a ocorrência de graves indícios ou evidência de insolvência ou mesmo no caso de ser cassada a autorização para funcionar.
Quem descreve essa circunstância de forma exemplar é o autor Fábio Ulhôa Coelho em seu manual de direito comercial.
A liquidação, grosso modo, se aplica a empresas que captam economia popular, como são os bancos, sociedades de crédito, financiamentos e investimentos, caixa econômica, cooperativas de crédito, sociedades integrantes de sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários, sociedades corretoras, sociedades que explorem leasing, que sejam empresas privadas ou públicas não federais, conforme descreve a Lei 6.024/1974.
O Banco Central do Brasil com intuito de sanear o mercado financeiro e a adequação aos credores é quem toma a frente nessa espécie de intervenção, não podendo haver a aplicação das disposições da nova lei da recuperação judicial ou norma análoga, em regra.
Já houve um tempo bem remoto em que se submetia essa liquidação ao crivo do Poder Judiciário, hoje, contudo, como o próprio nome sugere, ela é feita extrajudicialmente, com legitimidade direta do Banco Central do Brasil, de forma exclusiva.
O artigo 15, § 1º da Lei 6.024/1974 é que entrega ao Banco Central do Brasil tal legitimidade.
Há uma distinção quanto à liquidação e a intervenção, pois a intervenção é a investidura da autoridade governamental nas instituições financeiras e nas cooperativas de crédito até que se eliminem as irregularidades que a motivarem.
A intervenção administrativa pode constituir o primeiro passo para que haja a liquidação extrajudicial, mas nem sempre quando ocorre a intervenção, há liquidação extrajudicial.
Pode haver liquidação extrajudicial sem antes ter ocorrido intervenção. O período de intervenção é de seis meses, prorrogável, no máximo, por mais seis meses.
Ao decretar a intervenção, o Banco Central do Brasil nomeia um interventor, este com plenos poderes de gestão, salvo no que se refere à disposição e demissão ou oneração de bens e à admissão e demissão de pessoal, hipótese em que necessita da autorização do Banco Central.
O principal efeito da liquidação extrajudicial é o afastamento dos administradores e conselho fiscal, para que o liquidante possa direcionar todo seu trabalho de forma livre, sem intervenções.
O artigo 18 da Lei 6.024/1974 descreve os efeitos da liquidação extrajudicial, tais como:
1. suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação;
2. vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
3. não-atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em virtude da decretação da liquidação extrajudicial;
4. não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto não integralmente pago o passivo;
5. interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da instituição financeira;
6. não-reclamação de penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas.
Dentro da perspectiva do processo do trabalho, podemos citar como principal reflexo a contagem de juros, pois por uma incoerência quem mais arrecada juros, será quem restará isenta do pagamento destes.
Veja que nem mesmo a massa falida restou isenta de pagamento de juros, ainda que numa ordem de preferencia bem distante dos primeiros beneficiários, mas ainda assim, em havendo sobras de créditos, certamente se poderá habilitar o pagamento dos juros decorrentes dos processos trabalhistas, só para falar dessa área do direito.
Contudo, a teor do artigo 18 “d” da Lei 6.024/1974, restam indevidos os juros na fluência do período de liquidação extrajudicial, ainda que estipulados, enquanto não pagos integralmente o passivo, que sofreu novo tratamento a partir da Constituição Federal de 1988, a qual através do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 46, isentou de forma ainda mais ampla as empresas em liquidação extrajudicial de pagamento de juros e de correção monetária.
O Tribunal Superior do Trabalho editou a Sumula 185, descrevendo de forma expressa a desnecessidade de pagamento de juros e correção monetária, a qual restou cancelada em 2003 em decorrência da edição de outra Sumula a 284, através da mesma resolução, também do mesmo Tribunal, a qual determinava o pagamento de correção monetária.
Posteriormente ainda, adveio a Sumula 304, ainda do Tribunal Superior do Trabalho, na mesma resolução que determinou o cancelamento da anterior, a Sumula 284, dizendo de forma mais elaborada que haveria sim contagem de correção monetária, mas ainda mantendo a ideia de isenção quanto aos juros de mora, baseada na lei específica e no ADCT da Constituição Federal.
Agora, após a sucessão de súmulas e entendimentos, na cronologia dos verbetes de números, 185, 284 e 304, o entendimento atual e claro do Tribunal é de incidência de correção e isenção de juros.
Só um alerta, o Tribunal Superior do Trabalho somente prestigia a suspensão dos juros em caso de efetiva liquidação extrajudicial a ela não se equiparando a possibilidade descrita no início do texto, de auto dissolução, ou algo que o valha.
O brilhante Professor Homero Batista Mateus da Silva cita tal ideia ao comparar tais verbetes com a Orientação Jurisprudencial Transitória nº 10, a qual diz que o Banco Nacional de Crédito Cooperativo não se beneficia da hipótese descrita na Sumula 304, já que foi procedimento dos acionistas.

» Referências bibliográficas:
Coelho, Fábio Ulhôa, Manual de Direito Comercial, 12ª edição, pag. 384, editora Saraiva.
Silva, Homero Batista Mateus da, Curso de Direito do Trabalho Aplicado, 1ª edição, fevereiro de 2010, editora campus jurídico, pags. 198/199.

» Jurisprudência uniforme dos tribunais:
TST – Sumula 185: “Embargos sob intervenção do Banco Central. Liquidação extrajudicial. Juros. Correção monetária. Lei nº 6.024/1974 (Res. 7/1983, DJ 09.11.1983. Revista pela Súmula nº 284 - Res. 17/1988, DJ 18.03.1988. Cancelada - Res. 121/2003, DJ 19.11.2003).
Aplicada a Lei 6.024/1974, fica suspensa a incidência de juros e correção monetária nas liquidações de empresas sob intervenção do Banco Central.”

TST – Sumula 284: “Correção monetária. Empresas em liquidação. Lei nº 6.024/1974 (Revisão da Súmula nº 185 - Res. 17/1988, DJ 18.03.1988. Revista pela Súmula nº 304 - Res. 2/1992, DJ 05.11.1992. Cancelada - Res. 121/2003, DJ 19.11.2003).
Os débitos trabalhistas das empresas em liquidação de que cogita a Lei nº 6.024/1974 estão sujeitos à correção monetária, observada a vigência do Decreto-Lei nº 2.278/1985, ou seja, a partir de 22.11.1985.”

TST – Sumula 304: “Correção monetária. Empresas em liquidação. Art. 46 do ADCT/CF (Revisão da Súmula nº 284 - Res. 2/1992, DJ 05.11.1992)
Os débitos trabalhistas das entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação extrajudicial estão sujeitos a correção monetária desde o respectivo vencimento até seu efetivo pagamento, sem interrupção ou suspensão, não incidindo, entretanto, sobre tais débitos, juros de mora.

TST - Orientação Jurisprudencial Transitória - 10. “BNCC. Juros. Súmula nº 304 do TST. Inaplicável. (Inserida em 19.10.2000).
A extinção do BNCC não foi decretada pelo Banco Central mas por deliberação de seus acionistas. Portanto, inaplicável a Súmula nº 304 do TST e, em seus débitos trabalhistas, devem incidir os juros de mora.”


» Referências normativas:
Lei 6.024/1974, arts. 15, § 1º, 18, “d”. CF – ADCT art. 46.


» N. do Org. Veja também: juros; correção monetária.

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