segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Atenção para Sumula 331 - STF pode fazer controle

Por Mauricio Pereira Simões*

Estamos vivendo um momento de muitas incertezas, em especial pela decisão recente do P. STF quanto a possibilidade ou não de responsabilização do ente público frente a terceirização.
A Súmula 331 do C. TST criou ao mesmo tempo um elemento de responsabilização duro, mas abriu as portas para a prática dessa forma de contratação. Não havia tamanha ocorrência do fenômeno antes da edição da precitada súmula.
Porém, a grande sacada sempre foi poder dizer que embora as possbilidades estivessem ampliadas - diante da ideia de atividade meio - a responsabilidade, interpretada pelo C. TST, sempre foi rígida, no sentido de não excluir ninguém que fosse tomador de serviços - salvo a discutível hipótese de dono da obra-  pouco importando a natureza do ente tomador de serviços.
Ocorre, que para tanto o C. TST ignorava a disposição do artigo 71 da Lei 8666 de 1993, quanto a ausência total de responsabilidade do ente público - o que fazia com plena razão, ao meu entender.
Não tardou para um ente público (Distrito Federal) contestar perante o P. STF a validade da Súmula 331. Em julgamento de alguns meses atrás, o plenário do Supremom resolveu declarar a constitucionalidade do citado artigo 71, § 1º da Lei 866 de 1993, na ADC 16.
Em seguida o C. TST alterou a redação da Súmula 331 para deixar de discutor qualquer validade ou não do artigo matéria da ADC, para declarar a responsabilidade subjetiva, podendo até ser pela fiscalização e eleição, conhecidas como culpas presumidas. Vejamos a nova redação da súmula:

Súmula Nº 331 do TSTCONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos
os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
(Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera
vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional
(art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância
(Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços
especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade
e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde
que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem
subsidiariamente
, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente
na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de
serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento
das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada
. (grifos acrescidos)
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas
decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Porém, agora, em 09 de setembro de 2011, o P. STF publicou o acórdão da ADC em questão, onde mais algumas dúvidas podem surgir, como por exemplo, a possibilidade de se declarar qualquer responsabilidade do ente público por outra fonte normativa. Essa era a ideia do Presidente Peluso, mas que se diga, esse não foi o voto vencedor. Aliás, o Ministro Marco Aurélio chega a ponderar de forma clara a ideia de que ao dar procedência a ação, teríamos de conviver com a total isenção de responsabilidade do Estado.
Em que pese o voto vencedor mencionar as circunstâncias de fiscalização, até de FGTS, há dúvidas, e os interessados, entes públicos, já vêm se mobilizando no sentido de reclamarem junto ao Supremo uma interpretação clara para os desígnios do julgamento da ADC 16, para aber se houve uma espécie de blindagem absoluta ou somente relativa ao ente público terceirizante.
Para a maioria das pessoas de certa coerência, não poderia o Estado, maior e principal exemplo de retidão e respeito aos direitos fundamentais, deixar de amparar os trabalhadores nas hipóteses de não pagamento pelo prestador inadimplente. Afinal, o trabalho humano deve ser amplamente protegido.
Temos, porém, julgado recentes do próprio TST declarando a total isenção de responsabilidade do ente público terceirizante, como se vê do acórdão abaixo:

A C Ó R D Ã O
1ª TURMA
VMF/rqd/hcf/mmc
RECURSO DE REVISTA - ENTE PÚBLICO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADC Nº 16 - JULGAMENTO PELO STF - CULPA IN VIGILANDO - INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DOS AUTOS - ARTS. 58, III, E 67, CAPUT E § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 - NÃO INCIDÊNCIA - INVIABILIDADE DE SE RESPONSABILIZAR O TOMADOR DOS SERVIÇOS (INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA) PELO MERO INADIMPLEMENTO DOS ENCARGOS TRABALHISTAS DEVIDOS PELO PRESTADOR DOS SERVIÇOS - RESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO STF EM CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. O STF, ao julgar a ADC nº 16, considerou o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do vencedor de certame licitatório. Entretanto, ao examinar a referida ação, firmou o STF o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando da Administração Pública, viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, tendo em vista que, nessa situação, responderá pela sua própria incúria. Nessa senda, os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à Administração Pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), razão pela qual à entidade estatal caberá, em juízo, trazer os elementos necessários à formação do convencimento do magistrado (arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT). Na hipótese dos autos, entretanto, a responsabilização da reclamada decorreu do mero inadimplemento, por parte do prestador dos serviços, dos encargos trabalhistas devidos ao autor, não se cogitando, portanto, em quebra do dever de fiscalização que incumbe à Administração Pública. Em face disso, impõe-se o provimento do recurso de revista, para, em respeito à autoridade da decisão proferida pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, isentar a reclamada da responsabilização subsidiária a ela imposta.
Recurso de revista conhecido e provido.
                     Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-103000-49.2009.5.10.0017, em que é Recorrente UNIÃO (PGU) e são Recorridos RAIMUNDO SILVA COSTA e CONSERVO BRASÍLIA SERVIÇOS TÉCNICOS LTDA.
                     O 10º Tribunal Regional do Trabalho, por meio do acórdão a fls. 206-221, deu provimento ao recurso ordinário do reclamante para excluir da condenação a multa por embargos de declaração protelatórios imposta em primeira instância e incluir da responsabilidade subsidiária da União o pagamento das multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT. Por outro lado, a Corte regional deu provimento parcial ao recurso ordinário da União para determinar que a incidência dos juros e atualizações reduzidos do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997 ocorra apenas a partir do momento em que a execução voltar-se contra o patrimônio da União.
                     Inconformada, a União interpôs recurso de revista a fls. 225-243, com respaldo no art. 896, alíneas -a- e -c-, da CLT.
                     O recurso foi admitido pela decisão singular a fls. 251-252.
                     O reclamante apresentou contrarrazões a fls. 254-258.
                     O Ministério Público do Trabalho, pelo parecer a fls. 206-209, opinou pelo não conhecimento do recurso de revista.
                     É o relatório.
                     V O T O
                     1 - CONHECIMENTO
                     Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal concernentes à tempestividade (fls. 222 e 225), à representação processual (Orientação Jurisprudencial nº 52 da SBDI-1), e sendo desnecessário o preparo (art. 790-A da CLT), passo ao exame dos pressupostos intrínsecos de admissibilidade do recurso de revista.
                     1.1 - RESERVA DE PLENÁRIO
                     A União aponta ofensa do artigo 97 da Carta Política e indica contrariedade à Súmula Vinculante nº 10 do STF, em virtude da decisão regional ter afastado a incidência do art. 71 da Lei nº 8.666/93.
                     A arguição de nulidade não se viabiliza, na medida em que o Tribunal Regional não pronunciou a inconstitucionalidade do artigo legal indigitado. Do contrário, aplicou-o em consonância com o sistema que rege a responsabilidade das partes em um contrato administrativo.
                     Intacto o artigo 97 da Constituição Federal.
                     Não conheço.
                     1.2 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
                     A Corte regional manteve a sentença que declarara a responsabilidade subsidiária da União, aos seguintes fundamentos:
    Não há controvérsia sobre o fato de que a Recorrente, efetivamente, foi a tomadora dos serviços.
    A sua resistência concentra-se na alegação de que, como ente público que é, há expressa vedação legal para que lhe seja imputada responsabilidade pelas obrigações dos seus contratados, tendo o col. TST, por meio do inciso IV, da Súmula 331, irregularmente inovado matéria legislativa prevista no artigo 71 da Lei 8.666/93.
    Aduz, ainda, que a relação de emprego estabelecida com a Administração Pública só é possível mediante aprovação em concurso público. Reiteradamente, vinha decidindo que não há viabilidade jurídica em se imputar responsabilidade subsidiária a entes públicos.
    É que expresso texto de lei afasta a responsabilidade da Administração Pública frente a inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de terceiros contratados.
    Nessa direção dispõe o § 1.º do artigo 71 da Lei n. 8.666/93. Veja-se:
    "O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1.º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis."
    Diante da clara dicção do dispositivo legal transcrito exsurge inegável a absoluta impossibilidade de se imputar a entes integrantes da Administração Pública responsabilidade, solidária ou subsidiária, pelas obrigações trabalhistas dos seus contratados.
    É o que está definido no parágrafo único do artigo 1.º da Lei n. 8.666/93, ao estabelecer que "Subordinam-se ao regime desta lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios."
    De se relembrar que, em havendo expressa previsão legal disciplinando a matéria, não há espaço para se instituir distinções e restringir o alcance visado pelo legislador.
    Ora, consoante regra elementar de hermenêutica, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.
    Somente na hipótese de ser declarada a inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 71 da Lei n. 8.666/93, é que se lhe poderia negar eficácia, não por malabarismos e contorcionismos exegéticos. Resulta daí que a parte final da Súmula n. 331 do col. TST, com a novel redação que se lhe emprestou, não encontra, no particular, amparo legal.
    De qualquer modo, esta não tem sido a posição assumida pela douta maioria dessa egrégia Turma, impondo-se, para o bem da estabilidade das relações jurídicas processuais, que - ressalvado entendimento pessoal do Juiz Relator sobre a matéria - seja seguido o caminho por ela sinalizado, na trilha do inciso IV da Súmula n.º 331 do C. TST, que assim orienta:
    "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei n.º 8.666/93)."
    Como visto, o entendimento majoritário é o de que o artigo 71, §1º da Lei 8.666/93 não se constitui em óbice à responsabilização subsidiária dos entes públicos.
    Ao contrário, coaduna-se com o que dispõe o artigo 37, §6º da Constituição Federal, o qual atribui a eles a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelos seus agentes, bem como com os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, inscritos no artigo 1º, incisos III e IV da Lei Maior.
    Ademais, a alegação no sentido de que não houve prova de ato culposo suficiente a lhe imputar a responsabilidade subsidiária não lhe aproveita.
    Saliente-se, ainda, que não há nulidade do contrato de trabalho, eis que a Administração Pública não atua como empregadora, mas como tomadora dos serviços.
    Deste modo, inaplicável, na hipótese, a Súmula nº 363 do Colendo TST. A empregadora encontra-se inadimplente com várias obrigações trabalhistas, conforme restou evidenciado nos autos.
    Daí surge a responsabilidade subsidiária da Recorrente, visto que não se pode absolver quem também se beneficiou, diretamente, da força de trabalho da empregada.
    Padece de razoabilidade, pois, eximir-se de qualquer responsabilidade o empreendedor que mais lucra e se beneficia do dispêndio de energia do hipossuficiente.
    Se se beneficiou, portanto, da força de trabalho arregimentada por terceiro dotado de incapacidade financeira, há de assumir os riscos da sua conduta, porque preso à culpa in contraendo e in eligendo.
    A culpa in eligendo decorreu da escolha, por um dos agentes do ente público, de empresa sem idoneidade financeira para arcar com seus compromissos trabalhistas.
    A realização de processo licitatório, nos termos do artigo 37, XXI, da Constituição Federal, visando escolher empresa idônea, não se constitui em garantia ao licitante suficiente a eximi-lo da responsabilidade subsidiária, tendo em vista que a escolha do prestador de serviços, em face da Súmula 331, IV, do Col. TST, tem caráter eminentemente preventivo.
    De igual modo, o descumprimento de obrigações contratuais reconhecidas pela sentença, por si só, são suficientes para confirmar a culpa in vigilando e imputar ao recorrente a responsabilidade subsidiária.
    Impõe-se que a atuação da contratante ocorra de forma a evitar prejuízo ao trabalhador, ou seja, que a vigilância seja eficaz.
    O artigo 66 da Lei 8.666/93 estabeleceu a execução fiel do contrato pelas partes, impondo à contratante o dever de vigiar seu cumprimento, não havendo como eximir a Recorrente de tal responsabilidade.
    Ressalto, por fim, que não há nenhum vício capaz de macular a Súmula que assim orienta. Súmulas constituem apenas expressão do entendimento jurisprudencial sedimentado no âmbito de Cortes Superiores, construídas a partir da interpretação que dão ao ordenamento jurídico.
    Não há violação ao princípio da legalidade (CF, artigo 5º, II), posto que o Colegiado interpretou e aplicou a legislação vigente, havendo amparo à responsabilização da Recorrente.
    Ainda que não haja preceito legal específico disciplinando responsabilidade subsidiária, não menos certo é que, na dicção do artigo 8.º da CLT, "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito".
    Também assim prevê o artigo 4.º da LICC e artigo 126 do CPC. O direito evolui de acordo com os fatos da vida e estes são dinâmicos e mutáveis.
    E nem sempre é possível ao legislador disciplinar, de maneira antecipada, os efeitos de determinada situação jurídica.
    Bem por isso é que a lei, sabiamente, confere ao juiz a possibilidade de decidir, na lacuna dela, com base na analogia, costumes e princípios gerais de direito.
    Outrossim, desconsiderado o entendimento pessoal deste magistrado, a jurisprudência trabalhista majoritária não considera que a responsabilidade subsidiária implique em negativa de vigência ao artigo 71 da Lei 8.666/93 porque não há imputação de responsabilidade direta do ente público.
    Por tais razões, não há que se falar em responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral, até porque só lhe serão cobradas as verbas da condenação em caso de não pagamento pela responsável principal, inexistindo desrespeito ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
    Resta acrescentar, por fim, que a noção de responsabilidade no âmbito das relações laborais, subsidiária ou solidária, inspirada que é no princípio da proteção ao hipossuficiente, assenta-se na necessidade de recomposição integral do patrimônio jurídico do empregado lesado, seja pela empregadora, seja pela tomadora dos serviços.
    Portanto, alcança, inclusive, todos os valores pecuniários devidos ao trabalhador.
    Tal não importa em transferibilidade de pena a terceiros, visto que envolve apenas reparação de índole patrimonial concernentes aos créditos trabalhistas de obrigação da devedora principal.
    Assim, embora com expressa ressalva de posicionamento pessoal, tenho como inafastável o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da segunda Demandada, pontuando a inexistência das violações legais e constitucionais apontadas.
    Nego provimento
                     A União, inconformada, alega que não pode ser responsabilizada subsidiariamente em razão da mera inadimplência da prestadora de serviços, uma vez que não houve culpa do órgão tomador. Afirma ser inaplicável, no caso, a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição da República e sustenta que não foram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva. Destaca que a empresa prestadora foi contratada mediante regular procedimento licitatório e afirma que não se pode cogitar de culpa in vigilando na medida em que o contrato civil celebrado com a primeira-reclamada lhe autoriza apenas a fiscalizar o cumprimento do seu objeto. Sucessivamente, pugna pela limitação da condenação às parcelas previstas na Súmula nº 363 do TST. Aponta violação dos artigos 2º, 5º, 22, 37, II, 44 e 48 da Constituição da República; 66 e 71 da Lei n.º 8.666/93; e 265 do Código Civil.
                     Com efeito, em observância aos postulados da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput, da Carta Magna), o legislador constitucional elegeu três formas de ingresso nos quadros da Administração Pública, quais sejam: via cargo público, via emprego público e via contrato temporário para atendimento de excepcional interesse público (incisos II e IX do aludido dispositivo). Ao fazê-lo, não deixou espaço para o legislador infraconstitucional expandir o rol acima citado, por tratar a matéria de questão intimamente ligada à gestão dos negócios públicos, que, por decisão do poder constituinte originário (não passível, portanto, de ser contestada, ante a ausência de limitação inerente às prerrogativas conferidas àqueles que formulam a decisão política fundamental de uma determinada Nação), ficou restrita ao âmbito constitucional.
                     Nessa senda, não se pode confundir a contratação de serviços e obras pela Administração Pública, via procedimento licitatório (instituto previsto no inciso XXI do referido art. 37 constitucional e disciplinado na Lei nº 8.666/93), com a obtenção de mão de obra para o desempenho de atividade-meio no âmbito público, pois, em tal circunstância, não se busca o produto (no caso de obras) ou a utilidade (no caso de serviços) proporcionados pelo vencedor do certame a que alude o mencionado diploma de lei, mas, tão somente, a fruição do trabalho alheio, para a satisfação de necessidades que poderiam ser supridas por meio da admissão, nos moldes delineados no parágrafo anterior, de pessoal para laborar nos quadros estatais.
                     Nesse sentido, cito os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
     O quarto item da Súmula prevê a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, inclusive dos entes da Administração Pública, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial. Esse item foi objeto de alteração pela Resolução nº 96/2000 do TST, exatamente para deixar claro que se aplica mesmo que o tomador dos serviços seja a Administração Pública.
    Na parte final da Súmula, há uma referência ao artigo 71 da Lei nº 8.666/93, que contém três regras: no caput, afirma que a responsabilidade do contratado pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato; no § 1º veda a transferência de encargos trabalhistas, fiscais e comerciais à Administração, em caso de inadimplemento do contratado; e o § 2º prevê a responsabilidade solidária da Administração Pública com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato.
    Aparentemente, existe um conflito entre o item 4 da Súmula e o § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93. No entanto, a análise sistemática permite afastar esse conflito, tendo em vista que a Súmula refere-se ao fornecimento de mão-de-obra (que é ilegal), enquanto o artigo 71 só pode estar abrangendo os contratos regidos pela Lei nº 8.666/93, dentre os quais não se insere o de fornecimento de mão-de-obra. Nem poderia a Súmula sobrepor-se ao disposto em lei, a menos que esta fosse considerada inconstitucional por interpretação judicial.
    O que a administração pública pode fazer licitamente é celebrar contratos de empreitada, seja para a realização de obra pública (conforme definida no artigo 6º, I, da Lei nº 8.666), seja para a prestação de serviços (tal como conceituado nos artigos 6º, II, e 13 da mesma lei). Nesses tipos de contrato, a empresa é que é contratada e o vínculo contratual se forma com ela, e não com seus empregados.
    O que a Administração não pode fazer é contratar trabalhador com intermediação de empresa de prestação de serviços a terceiros, porque, nesse caso, o contrato assume a forma de fornecimento de mão-de-obra, com burla à exigência do concurso público.
    O trabalhador, nesse caso, não pode ser considerado servidor público; ele se enquadra na figura conhecida como -funcionário de fato-, porque não investido licitamente em cargo, emprego ou função. Em conseqüência, ele não pode praticar atos administrativos e, se os praticar, tais atos são inválidos, não podendo produzir efeitos jurídicos. Nem mesmo se enquadram no artigo 37, IX, da Constituição, que prevê a hipótese de contratação temporária, porque esse dispositivo permite que seja contratado o servidor, pessoa física, e não a empresa. Além disso, as leis que disciplinam esse dispositivo constitucional exigem processo seletivo para a contratação de pessoal temporário, salvo situações de emergência (nesse sentido, v. artigo 3º da Lei nº 8.745, de 9-12-93, sobre contratação de servidor temporário na esfera federal; no Estado de São Paulo, existe decisão nesse sentido do Tribunal de Contas, proferida no Processo TCA-15248/026/04, publicado no Diário Oficial do Estado, de 17-6-2004). (Direito Administrativo, 20ª ed, 2007, Atlas, p. 322)
                     Em face disso, o STF, ao julgar a ADC nº 16 e considerar o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações por parte do vencedor de certame licitatório, referiu-se, por óbvio, às obras e serviços contratados, mediante licitação, pela Administração Pública. Isso porque, ao fazer referência às terceirizações incidentes sobre atividade-meio da Administração Pública, o STF expendeu o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando da entidade estatal (incluindo-se, nesse conceito, os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta), viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, tendo em vista que, nessa situação, responderá pela sua própria incúria.
                     O que entender, então, por dever de fiscalizar imposto à Administração Pública, na condição de tomadora dos serviços?
                     Para o deslinde da questão, importante verificar que os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à Administração Pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), consoante se depreende do teor dos mencionados dispositivos de lei:
    Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
    (...)
    III - fiscalizar-lhes a execução;
    (...)
    Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
    § 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
                     Outro não é o entendimento de Marçal Justen Filho, consoante de depreende do excerto abaixo:
     Diante disso, a única solução para a Administração consiste em adotar todas as medidas preventivas possíveis. Isso envolve a desclassificação de propostas que não comportem o cumprimento adequado e satisfatório dos encargos trabalhistas, a fiscalização exata e precisa sobre o cumprimento das obrigações laborais e a identificação antecipada de riscos nesse setor. Caberá exigir que o contratado comprove a absoluta regularidade no pagamento da remuneração devida aos próprios empregados e o cumprimento de outras obrigações acessórias eventualmente incidentes.
    Ademais disso, a Administração deverá estar atenta à ocorrência de qualquer defeito. Assim, por exemplo, imagine-se que o fiscal da Administração Pública observe que alguns empregados do contratado não foram adequada e tempestivamente registrados para fins trabalhistas. Trata-se de infração extremamente grave, porque induz o risco de condenações futuras perante a Justiça do Trabalho, que poderão ter seus efeitos estendidos à Administração. Situação similar se passará diante da constatação de condições insalubres ou perigosas de trabalho, sem a existência de procedimentos preventivos ou adequados para assegurar a proteção ou a compensação pecuniária aos trabalhadores. Em todos esses casos, caberá à Administração instaurar procedimento administrativo destinado a apurar fatos e, se for o caso, promover a rescisão do contrato. Assim se deverá proceder ainda que a prestação esteja sendo executada de modo rigorosamente perfeito. O fundamento do sancionamento ao contratado ou, mesmo da rescisão contratual, será a infração à legislação trabalhista e os riscos de responsabilização pertinente. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª ed, 2009, Dialética, p. 787).
                     Percebe-se, portanto, que não se admite a postura passiva da Administração Pública de não fiscalizar o cumprimento dos encargos laborais atinentes ao prestador dos serviços. Cabe a ela, a fim de que possa obter o perfeito cumprimento do contrato administrativo, velar pelo correto adimplemento de todas as obrigações inerentes aos contratos de trabalho dos empregados do prestador dos serviços (e não somente aquelas que ostentem cunho pecuniário - salários em sentido estrito, depósitos do FGTS e recolhimentos para o INSS -, como ressaltado pelo doutrinador acima citado). Desincumbir-se-á de tal dever ao exigir o demonstrativo mensal do pagamento dos salários, ao velar pela observância das normas de segurança e medicina do trabalho, ao zelar pelo respeito à jornada de trabalho prevista no art. 7º, XIII, da Constituição Federal, dentre outras medidas.
                     Caso o prestador dos serviços permaneça renitente no cumprimento das obrigações laborais, caberá à Administração Pública, além de reter os valores correspondentes a eventuais salários atrasados, aplicar as penalidades previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/93 (advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e declaração de inidoneidade) ou rescindir o liame administrativo, nos termos dos arts. 77 e 78 do referido diploma legal.
                     O que não se pode tolerar é que o administrador, no exercício da sua função de concretizar, via implementação de utilidades públicas, os preceitos constitucionais e legais, subverta a finalidade do procedimento licitatório e das normas que regem a proteção daquele que disponibiliza o seu trabalho em proveito alheio. No direito administrativo, não há espaço para a atuação da vontade daquele que cura o interesse público, pois o administrador se encontra adstrito à satisfação do interesse público (por representar a síntese dos interesses dos indivíduos, na condição de membros do corpo social).
                     Não discrepa do que até aqui foi exposto o entendimento do Tribunal de Contas da União, consoante se verifica dos precedentes abaixo citados:
     A questão em debate suscitada pela... nestes autor gira em torno da invocada necessidade de se incluir em editais de pregão ou de qualquer certame licitatório percentuais únicos e mínimos de encargos sociais a serem suportados pelo contratante em relação aos seus empregados, como medidas preventivas para evitar responsabilidade solidária em caso de eventual inadimplemento da contratada.
     Ocorre que esses percentuais são fixados de acordo com a legislação trabalhista, tributária e previdenciária, variando em cada caso. Portanto, conforme asseverou a Subprocuradoria-Geral, não cabe dizer que a matéria é discricionária, podendo ser estabelecida por meio de edital administrativo, haja vista que as alíquotas, o quantum e os fatos geradores dos encargos sociais são vinculados em lei. Ademais, a cada etapa da prestação dos serviços, a Administração pode se resguardar de ser responsabilizada subsidiariamente em face do inadimplemento dos encargos trabalhistas ou sociais por parte da contratada, conforme prevêem a Súmula-TST nº 331 e o art. 71, § 2º, da Lei nº 8.666/93. (Acórdão nº 650/2008, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo)
     Primeiramente, é necessário esclarecer que pelo art. 71, § 1º, da Lei de Licitações, inexiste responsabilidade da Administração por encargos e dívidas pessoais do contratado. Entretanto, na prática, ou seja, na resolução dos casos concretos, a Justiça do Trabalho tem proferido decisões contrárias à Administração Pública, responsabilizando-a subsidiariamente, com fundamento no inciso IV da Súmula nº 331 do TST, in verbis... Existem várias formas possíveis de proteger a Administração Pública em face de eventual responsabilidade subsidiária, como exemplo: a) confecção de edital prevendo que - além da contratada recolher todos os encargos trabalhistas devidos aos empregados - comprove, mediante solicitação, os recolhimentos devidos, sob pena de poder ter seus pagamentos futuros bloqueados até a regularização de possíveis falhas; b) realização de fiscalização detalhada, no tocante aos encargos trabalhistas mais relevantes; c) acompanhamento aos dissídios coletivos; entre outras. Inclusive o TCU recomenda algumas dessas práticas. (Acórdão nº 2090/2005, Plenário, Rel. Min. Lincoln Magalhães da Rocha)
    Cabe, portanto, determinação ao Banco do Brasil, para que fiscalize a execução dos contratos de prestação dos serviços, em especial no que diz à obrigatoriedade de a contratada arcar com todas as despesas, diretas e indiretas, decorrentes das obrigações trabalhistas, relativas a seus empregados que exercem as atividades terceirizadas, e adote providências necessárias à correção de eventuais falhas verificadas, de modo a evitar a responsabilização subsidiária da entidade, nos termos do Enunciado/TST nº 331. (Acórdão nº 1844/2006, 1ª C, Rel. Min. Valmir Campelo)
                     Na hipótese dos autos, verifica-se que a condenação se deu independentemente da verificação da culpa in vigilando e in eligendo, restando consignado pelo acórdão regional que a responsabilização subsidiária decorreu, tão somente, do contrato de prestação de serviços que foi efetivado com a primeira-reclamada.
                     Tecidas essas considerações, verifica-se que, na hipótese dos autos, a responsabilidade subsidiária da reclamada decorreu do mero inadimplemento do prestador dos serviços, em relação aos valores devidos ao reclamante, o que não se coaduna com a interpretação conferida pelo STF ao art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.
                     Reputo, portanto, violado o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.
                     Conheço do recurso de revista.
                     2 - MÉRITO
                     2.1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
                     Em decorrência do conhecimento do recurso de revista, por violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, dou-lhe provimento para afastar a responsabilidade subsidiária da União pelos encargos trabalhistas devidos ao autor e apurados na presente ação, absolvendo-a, portanto, de qualquer condenação que lhe tenha sido imposta na reclamação trabalhista em exame.
                     ISTO POSTO
                     ACORDAM os Ministros da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por violação do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, e, no mérito, dar-lhe provimento para afastar a responsabilidade subsidiária da União pelos encargos trabalhistas devidos ao autor e apurados na presente ação, absolvendo-a, portanto, de qualquer condenação que lhe tenha sido imposta na reclamação trabalhista em exame.
                     Brasília, 31 de agosto de 2011.
Ministro Vieira de Mello Filho
Relator

 
Assim, diante de toda insegurança criada, aguardemos o resultado dos órgãos de soberposição judicial, certo de que as consequências nos processos em trâmite, com e sem trânsito em julgado, serão de proporções imensas, basta prestar atenção ao disposto no artigo 884, § 5º da CLT.
Contemos com o bom senso e coerência para não deixarmos milhares de trabalhadores sem um mínimo de amparo do Estado, Judicial é claro, pois das demais esferas, nada se espera.

*O autor:
Juiz do TRT da 2ª Região.
Especialista em direito material e processual do trabalho pela PUC/SP.
Esepcialista em direito do trabalho e da seguridade social pela FDUSP.
Professor.
Autor.



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