quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Artigo publicado na LTr sobre aviso prévio proporcional

Gostaria de compatilhar com todos vocês um artigo de minha autoria que acabou de ser publicado no suplemento trabalhista da LTr.
O artigo foi escrito logo após a edição da lei, enviado para a LTr e publicado no suplemento de Janeiro de 2012, nº 008/12, nas páginas 031/036.
Espero que gostem e sintam-se à vontade para comentar, criticar, acrescentar ou qualquer coisa do gênero.
Forte abraço e até terça-feira, para aqueles que farão os cursos.

Mauricio.



AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL E AS DISCUSSÕES ANUNCIADAS

 Mauricio Pereira Simões(*)



Após um iniciado movimento de reconhecimento de inconstitucionalidade por omissão, por parte do Supremo Tribunal Federal, o Congresso resolveu se mexer e baseado no artigo 22, I da Constituição Federal, que lhe outorga o poder de legislar nesse campo, aprovou o Projeto de Lei 3941 de 1989, de origem no Senado, em 20 de setembro de 2011 que seguiu para sanção Presidencial e se tornou a Lei 12.506 de 13 de outubro 2011, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, que trata da proporcionalidade do aviso prévio, descrito no artigo 7º, XXI da mesma Carta Constitucional.
Apesar de singela, sem dúvida a lei enuncia um avanço no tratamento das relações sociais à luz do princípio da melhoria da condição social do trabalhador, descrito no "caput" do mesmo artigo 7º da Constituição Federal.
Vejamos a literalidade da lei, para depois podermos tratar dos pontos mais polêmicos, lembrando sempre que pela curta existência da lei outras vertentes ou opiniões poderão emergir de sua leitura e extensão, em princípio, trata-se de um pequeno ensaio do que se espera das discussões jurídicas acerca do tema, assim vejamos:

"Art. 1º O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho, será concedido na proporção de trinta dias aos empregados que contem até um ano de serviço na mesma empresa.

Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos três dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de sessenta, perfazendo um total de até noventa dias.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário"

O que se esperar de uma lei tão aguardada e tão resumida? Discussão, essa é a resposta mais sensata para uma lei que quase nada disse e que abrirá, mais uma vez, as portas para as interpretações mais inusitadas possíveis, por isso, passemos a interpretação das inevitáveis dúvidas.

Primeira dúvida que certamente irá surgir e em verdade já rodeia o pensamento dos interessados: poderá o aviso retroagir para beneficiar quem foi dispensado antes da publicação e vigência da lei:?
Certamente que a reposta para esse caso deve ser negativa, mesmo se sabendo que a previsão em verdade não veio da lei, mas da Constituição Federal, contudo, e com voz quase uníssona na doutrina e jurisprudência, tratava-se de uma norma de eficácia limitada, já que remetia os desígnios de sua extensão à lei, nos termos da última parte do inciso XXI do citado artigo 7º. Ver eficácia das normas em José Afonso da Silva - Curso de Direito Constitucional Positivo, editora Malheiros, 32ª edição. No mesmo sentido a OJ 84 da SDI-1 do C. TST.
Há que se lembrar de que o negócio jurídico se rege pela lei do acontecimento dos fatos, sendo que a dispensa anterior a 13 de outubro de 2011 se considera ato jurídico perfeito e acabado e se rege pela lei vigente ao tempo de sua ocorrência. Como antes dessa data não havia a previsão legal, o empregador não teria como prever e calcular tal risco e referido valor. Por isso, em princípio a interpretação mais segura será no sentido de não agraciar os dispensados anteriormente ao dia 13 de outubro de 2011. Veja a esse respeito o artigo 6º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Há quem diga possível, de forma excepcional, tratar da questão sob a ótica da dispensa obstativa, ou seja, o empregador percebendo que o empregado adquiriria o direito a aviso prévio de duração mais longa do que os 30 dias, demitiu-o às vésperas da vigência da lei.
A tese não é das mais simples, primeiro que referida prova será de extrema dificuldade de produção. Em seguida, até que se regulamente o inciso I do artigo 7º da mesma Constituição, não há óbice ou período certo para a dispensa.
Contudo, numa ponderação interpretativa, é possível que se chegue ao raciocínio da aquisição do direito, mesmo para dispensas ocorridas antes da vigência da lei. A esse respeito o C. TST já se manifestou na dispensa obstativa a aquisição da estabilidade decenal, como se lê da súmula 26, que embora cancelada é um ótimo precedente de declaração de alcance de direito mesmo antes de implementação de prazo, levando em conta justamente o fato de que deixou-se de alcançar o direito no prazo por uma atitude impeditiva do empregador com intenção justamente a obstar tal direito. No mesmo sentido a estabilidade financeira, quanto ao cargo de confiança, reversão ao cargo anterior e manutenção de salário depois de alguns anos, com ato do empregador para obstar tal alcance, já declarado obstativo em diversos julgados.
Assim, não se trata da regra, nem de situação de fácil constatação e prova, mas possível é, a depender de cada caso.

A segunda dúvida está intimamente ligada à primeira, pois ambas tratam de direito intertemporal das leis trabalhistas: poderá o empregado no momento da dispensa somar o prazo de contrato anterior a lei, mesmo a admissão sendo anterior a vigência da lei questão?
Até para que se mantenha a coerência do pensamento e da interpretação, resta lógico que sim, será contado todo o tempo de trabalho para quem for demitido após a vigência da lei. Assim, por exemplo, quem já contava com 25 anos de contrato ao tempo da dispensa, terá direito a 90 dias de aviso prévio, desde que dispensado após o dia 13, inclusive.
Não há como bipartir a contagem do tempo de contrato, para antes e depois da lei, como critério de mediar a situação e criar uma espécie de direito evolutivo, daqui pra frente, como se fosse, toda a população, conquistando a proporcionalidade com o passar dos anos e somente daqui a 21 anos teríamos a integralidade dos 90 dias. Nada mais teratológico.
Por isso, a coerência sugerida acima, no sentido de se aplicar o direito intertemporal, para se declarar a o efeito imediato e geral da lei, nos mesmos moldes do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, agora em seu “caput”.

Em seguida a pergunta que se faz é: qual a forma de contar a proporcionalidade da lei?
Bom, primeiramente resta muito claro que o mínimo de trinta dias se aplica de imediato, guardando-se a proporcionalidade para os anos seguintes. A contagem mais coerente, em princípio, pela disposição da lei será deixar o primeiro ano com os trinta dias iniciais e a partir desse passar contar a proporcionalidade, para o cada ano completo de trabalho.
Assim, primeiramente resta claro que o critério anual foi o eleito pelo legislador como fórmula de contagem, ou seja, a cada ano de trabalho - nem civil, nem qualquer outro - se alcançará uma parcela da proporcionalidade. Assim, que tem 1 dia de contrato por prazo indeterminado ou 1 ano 11 meses e 29 dias, terá os mesmos trinta dias de aviso prévio. A partir do segundo aniversário do contrato se passará a ganhar uma parcela da proporcionalidade.
Essa pode não ser a interpretação que mais agrada, nem a que melhor atende aos interesses recíprocos, mas parece ser a mais consentânea com os dizeres do "caput" e parágrafo do artigo 1º da lei. Veja que a lei diz trinta até um ano, depois no parágrafo diz proporcional a cada ano alcançado de trabalho.
Outra interpretação possível é dizer que até 11 meses e 29 dias tem trinta dias, após um ano terá os trinta dias mais uma parte da proporcionalidade por ano de trabalho, incluído o primeiro ano - o que não está dito na lei.
Outro critério é saber que por essa conta quem tiver 21 anos de casa (pela primeira interpretação sugerida) ou 20 anos de casa (para a interpretação seguinte), e 35 anos de casa, terá o mesmo número de dias de aviso prévio, já que a lei diz trinta dias no primeiro ano, mais 3 dias para cada ano de contrato, somando-se sessenta de proporcionalidade aos trinta de início, chegando ao máximo de noventa dias.
São três dias para cada ano de contrato, com patamar máximo de sessenta dias, somando-se, ao final, o máximo de noventa dias, em razão dos trinta primeiros dias.
Não se faz contagem de meses ou dias, mas somente de anos por inteiro, assim quis o legislador. Os desmandos e abusos deverão ser resolvidos individualmente, como dispensar alguém, as pressas, para não alcançar algum patamar da proporcionalidade, novamente será a tese da dispensa obstativa e os critérios de aferição do caso que dirão da possibilidade ou não de se declarar essa assunção de direitos.

A pergunta seguinte está relacionada com esta: Trata-se de saber se a projeção do aviso prévio, inicial de trinta dias ou proporcional de até noventa, poderá entrar na conta, para aquisição de mais um patamar na proporcionalidade? E na mesma linha, como ficará a projeção para outros fins?
A conta seria mais ou menos essa: Empregado com 2 anos 11 meses e 15 dias de contrato, dispensado sem justa causa, poderá projetar os trinta e três dias (para a primeira tese de contagem) ou trinta e seis dias (para a segunda tese sugerida) para fins de cômputo e ganho da própria proporcionalidade e ter acrescido mais uma fatia desta, para somar trinta e seis ou trinta e nove (a depender da corrente adotada).
Se dissermos que sim teríamos um contrato - em qualquer das hipóteses sugeridas de proporcionalidade - de mais de três anos, o que lhe daria o direito a somar mais uma fatia (três dias) para fins de contrato e do próprio aviso e seu pagamento.
Se dissermos que não teríamos a contagem pura e simples pelo tempo único e exclusivo da prestação de serviços.
É possível interpretar-se no sentido de que pode-se acrescer mais uma fatia (três dias) em razão de que a jurisprudência há muitos anos já sedimentou o entendimento no sentido de que aviso prévio indenizado é tempo de contrato para todos os fins econômicos e de anotação de carteira, vejamos a súmula 182 e a OJ 82 da SDI-1 todas do C. TST.
A primeira, súmula 182, diz claramente que o tempo de aviso prévio conta-se para o tempo de adicional do famoso “trintídio” da data base, projetando-se o tempo para todos os fins.
Já a segunda, OJ 182, diz que a anotação da carteira de trabalho e previdência social se dará no dia final do aviso prévio, inclusive se indenizado.
Ao projetarmos essas duas disposições restam claras algumas situações:
a)      O contrato final deverá ser anotado contando-se todos os dias do aviso prévio proporcional, o que levará a um contrato efetivo - pelo menos na carteira de trabalho e previdência social – maior do que o ocorrido realmente, o que leva a dizer que a conta da nossa hipótese incluirá mais uma fatia da proporcionalidade, inteirando o terceiro ano de contrato;
b)      Pode-se responder à segunda indagação, quanto à projeção para fins de férias e décimo terceiro salários e demais verbas rescisórias, que também terão sua projeção de acordo com o contrato acrescido do tempo de aviso prévio indenizado, com os trinta dias iniciais e mais as parcelas da proporcionalidade que se mostrarem coerentes. A esse respeito já nos serve a súmula 371 do C. TST;
c)      A projeção do tempo para fins de prescrição será outra circunstância de acréscimo de tempo, vejamos a esse respeito a OJ 83 da SDI-1 do C. TST. Ao se aplicar a nova legislação resta claro que o tempo de contagem para prescrição bienal ficará ampliado para o mesmo tempo de proporcionalidade do próprio instituto. Ganhe-se um tempo maior, em termos de interesse do trabalhador, para o caso de aquisição de fatias de proporcionalidade do aviso prévio.

A próxima pergunta é um pouco mais complexa: terá o empregador direito a exigir aviso prévio proporcional do empregado demissionário? Poderá também descontar referido valor na rescisão contratual ou cobrá-lo em eventual ação judicial?
Bom, a resposta para essa pergunta com certeza povoará as grandes discussões nos processos trabalhistas e, sem sombra de dúvida, gerará interpretações em diversos sentidos, até encontrar um porto seguro para atracar, o que poderá ocorrer, como de fato ocorre no cotidiano, no órgão de sobreposição e uniformização das questões relacionadas ao direito do trabalho, no Tribunal Superior do Trabalho.
Haverá, sem dúvida, quem defenda a hipótese de o empregador ser beneficiado com os desígnios da nova ordem instalada a respeito do instituto, sob o enfoque da interpretação conjunta do instituto, em sua totalidade, sob o argumento de que se já era assim para o aviso de trinta dias, com razão se mantem a mesma lógica para a sequência da proporcionalidade.
E mais, se o instituto se refere a Consolidação das Leis do Trabalho, esta aplica a tese para ambos, empregados e empregadores reciprocamente.
Mais argumentos poderiam ser descritos nesse sentido ou em interpretações conexas, mas o que parece mais coerente é a tese inversa, que veremos a seguir.
Primeiramente, vale a pena lembrar que a proporcionalidade do aviso prévio está prevista única e exclusivamente na Constituição Federal, como visto, no artigo 7º XXI. Paralelo a isso temos a Consolidação das Leis do Trabalho e o artigo 487, o qual também faz previsão do instituto, mas cada qual em contornos próprios, já que a Consolidação das Leis do Trabalho não tem paralelo no assunto, pelo menos não da mesma forma que a Constituição Federal.
Com isso, ao analisarmos a Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a aplicação do instituto às duas partes, fica claro que esta não faz previsão de proporcionalidade, mas somente dos trinta dias de forma simples e direta. Os incisos e parágrafos até sugerem certa bifurcação, mas numa condição ultrapassada, de aviso menor de trinta dias, o que claramente não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a qual disse, no mínimo trinta dias.
Assim, em que pese o esforço para dizer que haverá interpretação conjunta para o instituto à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, essa não trouxe em sua redação a previsão da proporcionalidade.
Referida proporcionalidade veio prevista tão somente em 1988 a partir da Constituição Federal, dentro do artigo 7º, que em seu “caput” prevê um princípio, que é o da melhoria da condição social do trabalhador. Veja que tal princípio não prevê a melhoria da condição social do empregador, nem diz que os direitos ali descritos são patamares de partida para o empregador.
Trata-se assim da forma informativa do princípio – que pode ter três funções claras, como a informativa, integrativa e interpretativa – sendo que esta diz que o princípio informará o legislador sobre as bases de formação de um instituto dentro de um ramo do direito, sendo que no caso em tela, estamos a tratar de direito do trabalho, o qual tem como escopo o tríplice desmembramento do principio protetor, norma mais benéfica, condição mais benéfica e na dúvida a favor do operário, como regra de interpretação.
Por isso, podemos dizer que o legislador imbuído do espírito protetor institui a norma de aplicação exclusiva aos trabalhadores, no que tange ao acréscimo da proporcionalidade, fique claro.
Ademais, posterior a função informativa, temos a função interpretativa, como visto anteriormente, no sentido de que a interpretação dos institutos devem sempre privilegiar a que melhor se adeque os interesses dos trabalhadores.
Dessa forma, podemos sugerir, de forma segura, que o aviso proporcional, vindo através do texto constitucional, foi imaginado para o trabalhador. Depois, olhando a norma já posta, regulamentação legal da proporcionalidade, temos a nítida impressão de que a adequação da lei à Constituição Federal é perfeita, no sentido de dar aplicação ao princípio da melhoria da condição social do trabalhador.
Veja que parte da doutrina chama os direitos descritos na Constituição Federal de patamar mínimo civilizatório, de base mínima de proteção, de ponto de partida de direitos, todos com o único intuito de informar que tudo que se fizer de previsão baseado nos incisos constitucionais devem refletir uma melhora em relação ao texto do mesmo inciso.
Seria contraditória, a toda essa lógica, imaginar-se uma lei de criação de aviso prévio proporcional que atenda aos interesses dos empregados e dos empregadores, baseados numa fonte de normatização protetiva exclusivamente aos trabalhadores.
Só por isso é possível sustentar que a Constituição Federal previu a proporcionalidade única e exclusivamente aos trabalhadores, ficando ao empregador o limite descrito no artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho, inciso II e § 2º.
Veja que mesmo nessa hipótese há tese firme e ressonante no sentido que mesmo nessa disposição expressa da lei é preciso que o empregador prove o prejuízo causado pelo empregado em não cumprir o aviso, de modo a justificar eventual desconto dos valores respectivos, já quanto ao empregado o prejuízo seria presumido, pelo desemprego imediato.
A par de todos os argumentos acima descritos, os quais já seriam suficientes para se interpretar restritivos aos empregados tais direitos, o relator do projeto de lei no Congresso, Deputado Arnaldo Farias, disse de forma expressa que não haveria dúvida nessa interpretação em razão de que o artigo 1º da lei é claro ao estabelecer ser devido, “aos empregados”, o aviso proporcional, o que de plano excluiria o direito ao empregador.
Essa forma de interpretação autentica, ou seja, aquela feita pelo próprio feitor da norma é de suma relevância e tem ressonância prática indiscutível.
Veja que, além disso, da interpretação entregue por quem fez a lei, temos a teleologia da norma, ou seja, a interpretação que leva em conta a finalidade do instituto, que pode ser perquirida a partir de todos os critérios constitucionais e legais acima descritos e pela própria colocação do relator do projeto. Ignorar essa teleologia significa entregar ao instituto finalidade não quista pelo representante popular do poder, que pretendeu uma circunstância e acaba por tê-la desvirtuada.
Por tudo isso, parece mais razoável e coerente dizer que somente aos empregados se aplica as fatias da proporcionalidade à medida a que se atingem os patamares temporais mínimos exigidos pela própria lei.
Uma última gota de discórdia nesse oceano de dúvidas seria a pergunta quanto a como compatibilizar uma eventual aplicação do instituto ao empregador, para se viabilizar o desconto em rescisão ou a compensação em juízo? Pois como previsto no artigo 477, § 5º da Consolidação das Leis do Trabalho o desconto será de no máximo uma remuneração, bem como artigo 767 que prevê a compensação como matéria de defesa, também limitada a uma remuneração do empregado.
Ao se aceitar a tese de aplicação desse instituto ao empregador, teremos de dizer que no exemplo de se ter um aviso proporcional de 90 dias, teria o empregador o direito de descontar na rescisão apenas o limite de uma remuneração do empregado demissionário, ficando com o direito a movimentar uma ação contra o empregado para recebimento da diferença.
Em sendo cobrado apenas na ação movida pelo empregado, poderia compensar até o limite de uma remuneração e para o restante seria necessário requerer em reconvenção a diferença.
Tudo isso, repita-se, se for aceita a dificultosa tese de se aplicar a proporcionalidade ao empregador.
 Muita água ainda deve rolar por essa ponte interpretativa.

A próxima questão diz respeito a hipótese de cumprimento do aviso: como compatibilizar as duas horas diárias ou sete dias corridos aos noventa dias máximos de aviso proporcional?
Seria possível simplesmente dizer que mantem-se o mesmo padrão para os trinta dias e no restante, nada a acrescer, mantendo o patamar pensado pela Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo de haver um cumprimento de prazo mais extenso, podendo-se, inclusive, postergar para o fim do período de aviso, últimos trinta dias, a aplicação dessa regra, época em que o empregado, em tese, procuraria uma nova colocação no mercado.
Contudo, tal interpretação, simplista, pode não ser a que melhor se adequa ao instituto, sua adequação histórico-evolutiva, ao sistema como um todo e principalmente a teleologia da circunstância.
Se a intenção da redução de horas ou dias sempre foi possibilitar que no período de aviso o empregado se readéque ao mercado, nada mais coerente que quem está fora a mais tempo, precise de mais tempo de readequação ao mercado.
Por isso, parece bastante coerente e razoável aplicar a regra da redução de horas e dias proporcional ao tempo de aviso efetivo.
A primeira circunstancia a ser perquirida é a de entregar uma resposta da razão da lei ter inserido em seu texto o padrão de 02 horas e seu equivalente a 7 dias?
Muito simples, tratava-se de duas horas por trinta dias, ou seja, um total corrido de sessenta horas, certo? Se o dia de trabalho tem oito horas de duração, quantos dias o empregado terá descansado ao final de trinta dias corridos de redução de duas horas? Simples, divida-se sessenta horas por oito e teremos incríveis sete dias e meio. Assim: 02 horas X 30 dias = 60 horas, divididas pelo tempo de horas trabalho em um dia, 08 horas, teríamos 7,5 dias, como esse número não é inteiro, aproxima-se para sete dias corridos.
Alguém poderá dizer, mas não se trabalho os trinta dias efetivos, para se multiplicar as duas horas por trinta, mas a resposta é nãos e trabalha sete dias corridos, em razão do descanso semanal remunerado.
Bom, feito isso, basta se achar o paralelo de duas horas vezes o número de dias da proporcionalidade, para se achar o número equivalente de dias corridos. Tomemos como exemplo o tempo máximo do aviso, noventa dias, e partir desse exemplo façamos a conta.
Alguém pode sugerir simplesmente que multiplique ambos por três, e não estaria tecnicamente errado, mas neste caso estaríamos ignorando o fato de que houve uma aproximação matemática de 7,5 para 7 dias corridos, o que projetado no tempo pode levar a uma distorção que distancie os parâmetros horas e dias como equivalentes.
Assim, melhor multiplicar duas horas vezes noventa dias e dividir por oito, para um matemático razoável a conta dará cento e oitenta horas dividas por oito horas igual a vinte e dois dias e meio. Vejamos 2 x 90 =180, 180/8 = 22,5.
Usando-se do critério de aproximação já indicado pela Consolidação das Leis do Trabalho, poderíamos indicar, facilmente, vinte e dois dias corridos de ausência.
Pode não ser o melhor critério, mas sem dúvida guarda uma boa coerência com o que praticamos até hoje, em relação aos trinta dias.
Aguardemos pela resolução de mais este capítulo.

Por fim, mas não menos importante e relevante, e não como última questão nesse assunto, mas sim neste ensaio, teríamos a hipótese de justa causa por abandono. Qual o critério usado pela jurisprudência para não autorizar a aplicação da justa causa por abandono no período de aviso prévio?
Bom, se a resposta estiver dentro da perspectiva de que não se pode considerar a intenção de deixar um emprego para abandoná-lo, já que se tem a clara noticia, de qualquer das partes, de que seu fim tem dia certo, então continua a mesma sistemática anteriormente já descrita na conhecida sumula 73 do Tribunal Superior do Trabalho.
Contudo, sempre que se pensa na aplicação da jurisprudência já posta pelos tribunais superiores, devemos nos perguntar o que de fato os precedentes previam como matéria debatida nos processos em análise em seus respectivos órgãos, sem esquecer que não é inexorável a discussão dos precedentes com a formação final da jurisprudência, como já ocorreu em outras circunstâncias, mas sem duvida que é um norte seguro para se perquirir a finalidade do verbete.
Assim, podemos sugerir da leitura do verbete que não se declara justa causa por abandono no período de aviso, em regra, por não ser possível fluir tempo suficiente para tanto, já que a própria jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sugere um prazo mínimo de trinta dias para tal ocorrência, como se lê da sumula 32. A própria lei fala em pena máxima de trinta dias, para fins de não configurar rescisão, no artigo 474 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, o parâmetro de trinta dias coincidia com o tempo máximo de aviso, que por isso, não teria tempo hábil para se qualificar como abandono de emprego, a falta a todo tempo de aviso, como meio de reverter uma dispensa injusta, em dispensa justificada e perda das verbas rescisórias típicas da dispensa imotivada.
Agora, contudo, ao se possibilitar aviso de até noventa dias, pode-se configurar sim o abandono por ausência superior a trinta dias, já que o aviso pode ter muito mais tempo do que o necessário para configurar a intenção, o ânimo, de abandono.
Por isso, a se interpretar que a sumula 73 estava vinculada ao tempo máximo de aviso, podemos dizer superado esse entrave para eventual abandono no decorrer do aviso.
Ao se preferir pela primeira tese, que ignorou o tempo, e se ateve única e exclusivamente quanto a intencionalidade, estaremos diante da continuidade da impossibilidade de abandono de emprego no decorrer do aviso.
Só para haver um posicionamento, parece mais razoável se pensar na tese do tempo como um impeditivo, à época, para a configuração de abandono de emprego no curso do aviso, o que agora estaria superado, pelo menos como possibilidade, no caso de avisos com tempo maiores do que o necessário a configurar o animo de abandono.

Muitas questões ainda esperam por um debate jurídico digno e coerente, diante de um instituto que se aparenta simples, mas que ganha contornos de complexidade ímpar dentro das relações de emprego, com um ar de insegurança generalizado, desde a relação social, pois como irá agir o empregador diante de tantas celeumas, e como agirá o Judiciário quando essa celeuma bater às suas portas, quais serão os critérios e métodos de interpretação adotados na solução de litígios sociais e processuais? A essas perguntas, nada melhor que o tempo e a experiência, para assentar a poeira e entregar entendimentos mais amadurecidos.
Por ora, basta a problematização e a sugestão de vias, às vezes seguras, às vezes necessárias, de soluções imediatas e prementes da vida cotidiana, que se diga é muito mais dinâmica e mutante que a lei e a possibilidade de solução judicial do Estado.
Aguardemos ansiosos pelos desfechos.


Mauricio Pereira Simões
Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região.
Especialista pela PUC/SP em direito material e processual do trabalho.
Especialista pela FDUSP em direito do trabalho e da seguridade social.
Professor.

3 comentários:

  1. Bom dia Prof. Mauricio,

    O motivo do meu contato é um erro no lançamento da nota do exame que o senhor lançou.

    Ocorre que minha nota foi 10 e o senhor lançou 5.5 e agora como podemos resolver???

    meu nome é RENATA MICHELLE COSTA DA SILVA RGM 11111102168 3ºC NOTURNO.


    AGUARDO UM BREVE RETORNO

    GRATA.

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  2. Sou da universidade de mogi das cruzes UMC

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  3. Bom dia professor, sou seu aluno no curso de especialização em Direito do Trabalho em Ponta Grossa-PR.

    Muito interessante os comentários a respeito da "nova" Lei.
    Outra dúvida que fiquei, seria com relação aos prazos para pagamento das verbas rescisórias. Já que a Lei não menciona nada a respeito, a princípio creio que os prazos do 477 estão mantidos não é? No entanto, acho que este assunto também irá gerar algum tipo de discussão à medida que as empresas poderão pleitear um maior prazo para o pagamento das verbas de um empregado que tenha cumprido aviso de 90 dias, não acha??

    Obs: só da turma do Lopatchuk na UEPG rs.

    Abraços

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